O Guerreiro

Este artigo é um capítulo de O Templo do Rei Salomão

Uma extensa biografia mágica baseada no diário de Frater Perdurabo.

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O Guerreiro

Há uma indiferença que ultrapassa a satisfação; há uma rendição que derrota a vitória, há uma resignação que quebra os grilhões da ansiedade, um relaxamento que lança aos ventos os grilhões do desespero. Esta é a hora do segundo nascimento, quando do ventre do excesso de miséria nasce o filho do nada da alegria. Solve! Pois tudo deve ser derretido no crisol da aflição, tudo deve ser refinado na fornalha da aflição, e então sobre a bigorna da força deverá ser forjada em uma lâmina de brilhante alegria. Coagula!

Chore e ranja seus dentes, e a tristeza se senta coroada e exultante; portanto levanta-te e zombe da armadura da total desolação! Assassine a ira, estrangule o sofrimento, e afogue o desespero; então uma alegria nascerá, que está além do amor ou da esperança, duradoura, incorruptível. Venha o céu, venha o inferno! Uma vez que o lados da Balança sejam ajustados, então a noite deverá passar, e o desejo e o sofrimento desaparecerão como um sonho com o sopro da manhã.

A guerra da Liberdade das Almas não é a gritaria dos escravos nas adegas de vinho, ou o regatear do cervejeiro no mercado local; é o ostentar da marca da vida, aquele desembainhar da Espada da Força que põe todos abaixo diante da devastação de sua lâmina. A vida deve ser desprezada – a própria vida e a vida dos outros. Lá não deve haver nenhuma fraqueza, nenhum sentimento, nenhuma razão, nenhuma misericórdia. Todos devem provar da desolação da guerra, e partilhar do sangue do cálice da morte. Ó! guerreiros, não podeis vós serem tão selvagens, tão bárbaros, tão fortes. Acima, Ó tempestades-sopradas, filhas do fogo da vida! Sucesso é a palavra-passe; destruição é o seu estandarte; Vitória é a sua recompensa!

Não dê atenção ao grito das mulheres, ou ao choro de criancinhas; pois todos devem morrer, e nem uma só pedra deverá restar na cidade do Mundo, para que as trevas não se afastem. Depressa! traga o sílex e o aço, acenda o estopim, queime a palha do casebre e as vigas de cedro do palácio; pois tudo deve ser destruído, e ninguém deve tardar, ou hesitar, ou voltar atrás, ou se arrepender. Então das cinzas da Destruição se levantará o Rei, o não-nascido e imortal, o grande monarca que sacudirá de sua barba emaranhada o sangue da luta, e o qual atirará de sua mão cansada a espada da desolação.

Sim! de fora da noite brilha uma espada de chamas, de fora a escuridão se lança uma flecha de fogo!

Eu estou sozinho, e permaneço ao leme da barca da Morte, e rio da fúria das ondas; pois a proa de meu riso fere as águas escuras da destruição em uma miríade de joias de indizível e extrema alegria!

Eu estou sozinho, e permaneço no centro do deserto da Dor, e rio da miséria da terra: pois a música de meu riso gira as areias da desolação em uma nuvem dourada de indizível e extrema alegria!

Eu estou sozinho, e permaneço na nuvem de tempestade da vida, e rio dos gritos dos ventos; pois as asas de meu riso levam para longe a teia das trevas externas, e revelam as estrelas de indizível e extrema alegria!

Eu estou sozinho, e permaneço nas chamas das montanhas do prazer, e rio do incêndio do êxtase; pois o sopro de meu riso sopra as chamas brilhantes em um pilar de indizível e extrema alegria.

Eu estou sozinho, e permaneço entre os fantasmas dos mortos, e rio do tremor das sombras, pois o coração de meu riso pulsa como uma fonte poderosa de sangue cobrindo as sombras da noite com o espírito de indizível e extrema alegria!

Eu estou sozinho, sim, sozinho, um contra todos; contudo em minha espada eu tenho todas as coisas; pois nela vive a força de meu poder, e se a alegria não vier ao meu chamado, então a alegria deverá ser morta como um escravo desobediente, e se tristeza não partir ao meu comando, então a tristeza correrá através do vale da morte como um inimigo que não passou seu pescoço sob o jugo.

No baluarte de minha imaginação repousam todas as munições de meu poder; e da torre de minha firmeza eu varro as estrelas, e derramo fogo e água sobre o mundo de riso e pranto. Eu não posso ser despojado, porque ninguém pode se aproximar de mim; eu não posso ser socorrido, porque eu estou muito além do caminho da ajuda do homem. No entanto, nem eu iria, se eu pudesse; porque se eu pudesse, eu não iria; e se eu fosse, eu não poderia; porque eu me tornei como um gigante entre os homens, forte como apenas pode ser aquele que banqueteou com a agonia da vida, e se embriagou da taça da tristeza da morte, e se ergueu acima de todas as coisas.

O riso é meu, não o riso da amargura, nem o riso de zombaria; mas o riso da força e da vida. Eu vivo como um poderoso Senhor conquistador e todas as coisas são minhas. Belos bosques e jardins, palácios de mármore e fortalezas de arenito vermelho; e os cofres de meu tesouro estão cheios de ouro e prata e pedras preciosas; e diante do meu caminho as filhas do prazer dançam de tranças desfeitas, espalhando lírios e rosas ao longo do meu caminho. De fato a vida é uma alegria, um arrebatamento de lábios apertados e de vinho tinto, que flui em pérolas junto as madeixas de bronze e púrpura, e então como rubis de sangue encontra refúgio entre os brancos e firmes seios da virgindade enlouquecida.

Ouça com atenção! ... O que é isso, os ganidos de um cão? Não, é o grito de morte de um homem! ... Ai de mim! o corte de espadas afiadas, e os gritos de muitas mulheres. Ó! a festa de fato começou, a plebe invadiu, foices brilham com as tochas e mesas são viradas; vinho é engolido por bocas imundas, e derramado e misturado com o sangue das crianças abatidas de Eros, de modo que o banquete de amor tornou-se a carnificina da morte. ...

Agora tudo está calmo e a rosa deu à luz a papoula, e as mechas de bronze dos festeiros repousam imóveis como cobras fartas de sangue coagulado, e brilham cruelmente ao luar entre os membros descobertos e as estripadas entranhas. Em breve os vermes trêmulos, que uma vez foram cérebros de homens, lamberão as migalhas da festa no templo do amor, e a farsa estará acabada.

Eu me ergo do cadáver dela que beijei, e rio; porque tudo é belo, ainda mais belo; pois eu crio da carnificina ateia dos demônios a grandeza avassaladora da morte. Ali está ela diante de mim, de rosadas pernas, de lábios de carmim, com seios de chamas escarlates, suas mechas esvoaçando ao seu redor como uma nuvem de fogo rubi, e a língua que rasteja de seus lábios é como um carbúnculo molhado com o sangue forte de guerreiros. Eu rio, e no frenesi de minha alegria ela é minha; e sobre a cama macia de cadáveres sangrentos eu gerei nela o riso do escárnio da guerra, a alegria do desprezo da tristeza.

A vida é um horror, uma contorção de serpentes famintas, mas eu não ligo, pois eu rio. Os desertos não me amedrontam, nem os mares restringem o propósito de meu júbilo. A vida é como um prisioneiro em uma masmorra, ainda assim eu rio; porque eu, em minha força, gerei um poder além dos muros das prisões; pois a vida e a morte tornaram-se um para mim – como criancinhas dando cambalhotas na areia e mergulhando nas pequenas ondas do mar. Eu rio de seu jogo encantador, e sobre as ondas de meu riso eu construo o Reino do Grande em que todos festejam em uma mesa. Ali as virgens misturam-se com as cortesãs, e os jovens e os velhos não conhecem nem a sabedoria e nem a tolice.

Eu conquistei os desertos e as florestas, os vales e as montanhas, os mares e as terras. Meu palácio foi construído de fogo e água, de terra e ar, e o lugar secreto dentro do santuário do meu templo é como a morada da alegria eterna. Tudo é amor, vida e riso; não há morte e decadência: tudo é alegria, pureza e liberdade; tudo é como o fogo do mistério; tudo é tudo; pois o meu reino é conhecido como a Cidade de Deus.

O escravo chora, porque ele está sozinho; Ó, não sejais escravos a vós mesmos, chicoteando suas costas com as tristezas de sua própria geração. Mas ao invés disso tornai-vos fortes na viuvez de vossa alegria, e evocai do horror de sua reclusão o elmo da vitória da determinação, e da miséria de sua solidão, a espada da destruição do desejo. Então vós virareis o rosto para o Oeste, e transpassareis em seguida a noite da desolação, e no cálice do pôr do sol vos tornareis fortes como guerreiros alimentados com o sangue de touros, e devereis sair após a manhã e a noite na virilidade da força, para a conquista de ti mesmo, e para a usurpação do Trono de Deus!


Traduzido por Frater V.I.T.R.I.O.L.

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