O Alfabeto Mágico

Um Breve Ensaio Sobre a Natureza e Importância do Alfabeto Mágico.

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Um Breve Ensaio Sobre a Natureza e Importância do Alfabeto Mágico

O livro 777[i] tem por objetivo principal a construção de um alfabeto mágico.

Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo estudante – uma dificuldade que aumenta em vez de diminuir com o avanço no conhecimento – é a seguinte: ele acha impossível obter uma ideia clara do significado dos termos que ele emprega. Todo filósofo tem seus próprios significados, até mesmo para termos tão universalmente utilizados como alma; e na maioria dos casos ele sequer suspeita que outros escritores empregam o termo com uma conotação diferente. Até mesmo os escritores técnicos e aqueles que se dão ao trabalho de definir os seus termos antes de usá-los muitas vezes se contradizem uns aos outros. A diversidade é muito grande no caso desta palavra alma. Às vezes ela é usada no sentido de Ātman, um princípio impessoal, quase sinônimo de Absoluto – uma palavra que também tem sido definida com dezenas de sentidos diferentes. Outros usam o termo para representar a alma pessoal individual como distinta da sobre-alma ou Deus. Outros o tomam como equivalente a Neschamah, o Entendimento, a essência inteligível do homem, sua aspiração; outros ainda o definem como Nephesch, a alma animal, a consciência correspondente aos sentidos. Foi até mesmo identificado com o Ruach que realmente é o mecanismo da mente. À parte destas distinções maiores, existem literalmente centenas de tonalidades menores de significados. Encontramos então um escritor determinando alma como A, B e C, enquanto seu colega estudante protesta com veemência que ela não é nenhuma dessas coisas – a despeito de que os dois homens possam estar substancialmente de acordo.

Suponhamos por um momento que por algum milagre nós obtivemos uma ideia clara do significado dessa palavra. O problema apenas começou, pois imediatamente surge a questão das relações de um termo com os outros. Houveram poucas tentativas de construir um sistema coerente, e aqueles que são coerentes não são compreendidos.

Em vista desse Euroclydon[ii] de incompreensões, é necessário estabelecer uma linguagem fundamental. Eu observei esse fato aos meus vinte anos. Minhas extensas viagens através do mundo me colocaram em contato com pensadores religiosos e filosóficos de todos os tipos de opinião: e quanto mais eu aprendia maior se tornava a confusão. Eu compreendi, com aprovação amarga, a eclosão do velho Fichte[iii]: “Se eu tivesse minha vida para viver novamente, a primeira coisa que eu faria seria inventar um sistema completamente novo de símbolos para através deles transmitir as minhas ideias”. De fato, algumas pessoas, notavelmente Raimundo Lúlio[iv], tentaram fazer esta grande obra.

Eu discuti esta questão com Bhikkhu Ānanda Metteya (Allan Bennett) em 1904. Ele afirmou estar completamente satisfeito com a terminologia budista. Eu não conseguia concordar com sua opinião. Em primeiro lugar, as palavras em si são barbaramente longas, assim impossíveis para o europeu médio. Em segundo lugar, uma compreensão do sistema exige a aquiescência completa das doutrinas budistas. Em terceiro lugar, o significado dos termos não é, como meu venerável colega afirmava, tão claro e abrangente quanto se poderia desejar. Há muito pedantismo, muita confusão, e muito assunto controverso. Em quarto lugar, a terminologia é exclusivamente psicológica. Ela não leva em conta as ideias extra-budísticas; e ela sustenta pouca relação com a ordem geral do universo. Ela pode ser complementada pela terminologia hindu. Mas ao fazer isso, introduziríamos elementos de controvérsia imediatamente. Logo nos perderíamos em discussões intermináveis sobre o Nibbāna ser Nirvāṇa ou não: e assim por diante, para sempre.

O sistema da Cabala está superficialmente aberto a essa última objeção. Mas a sua verdadeira base é perfeitamente sã. Nós podemos facilmente descartar a interpretação dogmática dos rabinos. Podemos referir todas as coisas no Universo ao sistema de números puros, cujos símbolos serão inteligíveis para todas as mentes racionais em um sentido idêntico. E as relações entre esses símbolos são fixas por natureza. Não há nenhuma razão específica – para a maioria dos propósitos comuns – de discutir se 49 é a raiz quadrada de 7 ou não.

Tal foi a natureza das considerações que me levaram a adotar a Árvore da Vida[v] como base do alfabeto mágico. Os 10 números e as 22 letras do Alfabeto Hebraico, com suas correspondências tradicionais e racionais (levando em consideração suas inter-relações numéricas e geométricas), nos proporcionam uma base coerente e sistemática, suficientemente rígida para a nossa base e suficientemente elástica para a nossa superestrutura.

Mas não devemos supor que saibamos qualquer coisa sobre a Árvore a priori. Não devemos trabalhar no sentido de qualquer outro tipo de Verdade central senão a natureza destes símbolos em si. O objetivo do nosso trabalho deve ser, de fato, descobrir a natureza e os poderes de cada símbolo. Nós precisamos vestir a nudez matemática de cada ideia principal em um traje multicolorido de correspondências com todo departamento de pensamento.

Então a nossa primeira tarefa é considerar o que queremos dizer com a palavra número. Eu tratei disso no meu comentário ao Versículo 4, Capítulo I, do Livro da Lei “Todo número é infinito: não há diferença” (Consulte O que é um “Número” ou um “Símbolo”?).

O estudante deve estar bem aprofundado na questão dos números transfinitos. Que ele consulte a Introdução à Filosofia Matemática do Hon. Bertrand Russell em um espírito reverente, porém crítico. Em especial, à luz da minha nota sobre os números, toda a concepção de Aleph Zero[vi] deve dar-lhe uma ideia bastante clara dos paradoxos fundamentais da interpretação mágica da ideia de número e, especialmente, da equação 0=2, que eu desenvolvi para explicar o universo, e para harmonizar as antinomias que ele nos apresenta a todo momento.

Nosso estado atual de compreensão está longe de ser perfeito. Evidentemente, é impossível obter uma noção clara de cada um dos números primos, sendo o seu número Aleph Zero apenas um dos motivos.

Os números de 0 a 10, conforme formam a base do sistema decimal, podem ser considerados como um microcosmo do Aleph Zero. Pois eles são infinitos, 10 representando o retorno à Unidade pela reintrodução do Zero para continuar a série de uma forma progressivamente complexa, cada termo representando não apenas a si mesmo em sua relação com seus vizinhos, mas a combinação de dois ou mais números da primeira década. Isto é, até chegarmos a números cujos fatores são todos (exceto a unidade) maiores que 10; como o 143 = (11×13). Mas essa necessidade de considerar esses números como estando totalmente além da primeira década é apenas aparente; todo primo sendo em si uma elaboração em algum sentido ou outro de um ou mais números da série de 1 a 10 original[vii]. Isso pode ser considerado ao menos como convencionalmente verdadeiro para fins de estudo imediatos. Um número como 3299 × 3307 × 3319 pode ser considerado como um grupo de estrelas fixas distante e não muito importante. (Portanto, 13 é um “módulo médio” e 111 é um “grande módulo” da Unidade. Ou seja, os múltiplos de 13 e 111 explicam os coeficientes de suas escalas em termos de uma ideia mais especializada da Unidade. Por exemplo, 26 = 2×13 representa a Díade em um sentido conotado mais especialmente do que o 2; 888 descreve a função de 8 em termos do sentido completo de 111, que é em si uma descrição elaborada da natureza da Unidade, incluindo – por exemplo – o mistério dogmático da equação 3 = 1).

Por repercussão, novamente, cada correlato maior do que qualquer número de 0 a 10 exprime uma ideia estendida daquele número que deve ser imediatamente inclusa no conceito fundamental do mesmo. Por exemplo, tendo descoberto que 120 pode ser dividido por 5, temos agora que pensar no 5 como a raiz das ideias que encontramos no 120, bem como utilizar nossas ideias anteriores do 5 como a chave para a nossa investigação do 120.

Superficialmente, parecerá que este modo de trabalho só poderia levar a contradições desconcertantes e confusão insolúvel; mas para a mente naturalmente lúcida e bem treinada em discriminação, este infortúnio não ocorre. Pelo contrário, a prática (que traz a perfeição) permite que uma pessoa apreenda inteligentemente e classifique coerentemente um amontoado de fatos muito mais vasto do que poderia ser assimilado pelas façanhas mais trabalhosas da memorização. Herbert Spencer explicou bem a psicologia da apreensão. A excelência de qualquer mente, considerada apenas como um repositório de informações, pode ser aferida pela sua faculdade de reapresentar quaisquer fatos necessários para si mesma pela classificação sistemática em grupos e subgrupos.

Esta presente tentativa de um alfabeto mágico é, de fato, uma projeção, tanto intensiva quanto extensiva, deste sistema para o infinito. Por um lado, todas as ideias possíveis, são referidas por integrações progressivas aos números adimensionais de 0 a 10, e daí a 2, 1 e 0. Pelo outro, as conotações de 0, 1 e 2 são estendidas, por definição progressiva, para incluir todas as ideias concebíveis em todo plano do Universo.

Agora estamos prontos para analisar a aplicação prática dessas ideias. No que diz respeito aos números de 0 a 10 da Escala-Chave, cada um é uma ideia fundamental de uma entidade positiva. Sua natureza é definida pelas correspondências que lhe são atribuídas nas diversas colunas. Assim, podemos dizer que o Deus Hanuman, o Chacal, a Opala, o Estoraque, a Honestidade e assim por diante são as qualidades inerentes à ideia chamada de 8.

Com relação aos números 11 a 32 da Escala-Chave, eles não são números de modo algum no nosso sentido da palavra. Eles foram atribuídos arbitrariamente aos 22 caminhos pelo compilador do Sepher Yetzirah. Não há sequer algum tipo de harmonia: nada poderia estar mais longe da ideia de 29 do que o signo de Peixes. É preferível que a ideia básica considerada seja a da letra do alfabeto hebraico; e a correspondência de cada uma com definições bastante compreensíveis tais como os Trunfos do Tarô é muito estreita e necessária. (Será percebido que alguns alfabetos, especialmente o copta, têm mais de 22 letras. Estes símbolos adicionais completam a Árvore da Vida quando atribuídos às Sephiroth.) No entanto, o valor numérico das letras representa uma relação real e importante. Mas estes números não são exatamente os mesmos que os números sephiróticos originais. Por exemplo, embora Beth = 2, = Mercúrio, e Mercúrio é parte da ideia de Chokmah = 2, um 2 não é idêntico ao outro. Pois Mercúrio, em si, não é uma Sephirah. Não é uma emanação positiva na sequência necessária na escala de 0 a 10. Pois Beth é o Caminho que liga Kether e Binah, 1 e 3. Zayin = 7 é o caminho ligando Binah, 3, a Tiphareth, 6. Ou seja, eles não são os números em si, mas sim expressões das relações entre os números de acordo com um determinado padrão geométrico.

Há outra classe de números de imensa importância. É a série normalmente denotada por números romanos que está impressa nos Trunfos do Tarô. Aqui, com duas exceções, o número é invariavelmente um a menos do que as letras do alfabeto, quando são numerados de acordo com sua ordem natural de 1 a 22. Assim Gimel, a terceira letra, pertence ao trunfo II; Mem, a décima-terceira letra, ao Nº XII.  Estes números são quase da mesma ordem de ideias como aqueles do valor numérico das letras; mas eles representam mais a energia mágica ativa do número do que seu ser essencial.

Voltando às Sephiroth puras, os números 0, 1, 2, 3, 5 e 7 são primos, os outros são combinações destes primos. Aqui nós já temos o princípio de equilíbrio entre o simples e o complexo. Ao mesmo tempo, há uma virtude inerente aos próprios números compostos, o que torna impróprio considerá-los meramente como combinações de seus elementos matemáticos. Seis é uma ideia em si, um Ding an sich[viii]. O fato de que 6 = 2×3 é apenas uma de suas propriedades. Observações semelhantes se aplicam aos números acima de 10, mas aqui a importância dos números primos quando comparada com a dos números compostos é muito maior. No atual estado de nosso conhecimento, poucos números compostos aparecem em si de maneira distinta do valor de seus elementos matemáticos. No entanto, podemos exemplificar o 93, 111, 120, 210, 418, 666. Mas todo número primo é a expressão de uma ideia bem definida. Por exemplo, 19 é o glifo geral feminino, 31 a mais alta trindade feminina, um “grande módulo” do Zero. 41 é o aspecto do feminino como uma força vampira. 47 como dinâmica e espasmódica, 53 como hedonogênea, 59 como clamante por seu complemento, e assim por diante.

Cada número primo mantém em seus múltiplos o seu significado peculiar. Assim, o número 23, um glifo de vida, apresenta o ascender da Díade em 46, etc. O significado dos números primos foi cuidadosamente trabalhado, com razoável precisão em cada caso, até o 97[ix]. Acima de 100, somente alguns poucos números primos foram exaustivamente estudados. Isto porque, pelos nossos métodos atuais, esses números só podem ser estudados através de seus múltiplos. Ou seja, se quisermos determinar a natureza do número 17, vamos analisar a série de 34, 51, 68, etc., para ver quais palavras e ideias correspondem a eles. Vamos estabelecer uma relação 51:34 = 3:2. Do nosso conhecimento sobre 3 e 2 podemos comparar o efeito produzido sobre eles pelo módulo 17. Por exemplo, 82 é o número do Anjo de Vênus e significa uma coisa amada; 123 significa guerra, uma praga, prazer, violação; e 164 tem a ideia de divisão, também do profano em oposição ao sagrado. O elemento comum a essas ideias é uma fascinação perigosa, onde dizemos que 41, o maior fator comum, é o Vampiro[x].

Mas as considerações acima, que estenderiam as letras do alfabeto mágico a uma infinidade de símbolos, não são devidamente pertinentes a este ensaio. Nosso principal objetivo é a conveniência ao comunicar ideias. E esta seria violada se mirássemos alto demais. Para efeitos práticos, podemos atingir todo os nossos objetivos limitando-nos à dimensão tradicionalmente aceita de 32 caminhos, de 10 números e 22 letras. A única extensão necessária é a inclusão dos Véus do Negativo, um assunto de importância fundamental na estrutura apodítica da Árvore dada no diagrama estrutural[xi]. Estes Véus são úteis em apenas algumas poucas listas positivas.

Os números 31 e 32 precisam ser repetidos porque a letra Shin possui dois ramos muito distintos de ideia, um ligado ao elemento Fogo, e outro com o Espírito. Também a letra Tau se refere tanto ao planeta Saturno quanto ao elemento Terra. Teoricamente, esta é uma grande falha no sistema. Mas as atribuições tradicionais são tão numerosas e bem definidas que nenhum remédio parece viável. (Na prática nenhum problema grave de qualquer tipo é causado pela confusão teórica).

Outra dificuldade surgiu devido à descoberta dos planetas Netuno e Urano. No entanto, tentamos tornar isso em uma vantagem, incluindo-os com o Primum Mobile em um arranjo Sephirótico dos planetas. E o artifício justificou-se por permitir a construção de uma atribuição perfeitamente simétrica para os regentes e exaltações dos Signos do Zodíaco.

Quanto ao restante, só é preciso dizer que, assim como na maioria das linhas de estudo, a chave do sucesso está na familiaridade que é conferida pela prática diária.


O diagrama da árvore da vida, com suas 10 esferas, 22 caminhos e os 3 véus do negativo

 

[i] «O livro 777 foi originalmente lançado em 1909, composto principalmente por várias tabelas de correspondências dos caminhos da Árvore da Vida, além de alguns ensaios sobre a Cabala. O presente artigo foi escrito para ser incluso em uma edição revisada do 777, que só foi lançada postumamente em 1955.»

[ii] «Nome de um vento tempestuoso que sopra sobre o mediterrâneo, vindo do Nordeste. Ele é mencionado na Bíblia: “Pouco tempo depois, desencadeou-se da ilha um vento muito forte, chamado Nordeste. O navio foi arrastado pela tempestade, sem poder resistir ao vento; assim, cessamos as manobras e ficamos à deriva.” (Atos 27:14,15)»

[iii] «Johann Gottlieb Fichte (1762-1814): filósofo alemão.»

[iv] «Raimundo Lúlio (1232-1316): escritor, filósofo, poeta, missionário e teólogo do Reino de Maiorca (na atual Espanha).»

[v] «Consulte a imagem na página 8.»

[vi] «Aleph-nulo representa o menor número cardinal infinito (c.f. Oxford).»

[vii] Para o significado dos números primos de 11 a 97 consulte a p. xxv. «Artigo a ser publicado separadamente»

[viii] «Alemão para “coisas-em-si”, objetos como eles são independente de observação, de acordo com Immanuel Kant (1724-1804)»

[ix] Veja a página xxv. «Artigo a ser publicado separadamente»

[x] Um dicionário dando os significados, segundo a Cabala tradicional, dos números de 1 a 1000, com alguns números mais elevados, foi publicado no The Equinox I,8 sob o título de “Sepher Sephiroth sub figura D”.

[xi] Consulte a p. 8.


Traduzido por Alan Willms.

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