Asana

Este artigo é um capítulo de Liber ABA – Magick – O Livro Quatro

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Capítulo I
Asana

O problema que enfrentamos pode ser enunciado desta forma simples: Uma pessoa deseja controlar sua mente, ser capaz de pensar num certo pensamento durante o tempo que quiser, sem interrupção.

Como já mencionamos, a primeira dificuldade vem do corpo físico que persiste em chamar para si a atenção de sua vítima através de comichões e outras coisas. A pessoa deseja se espreguiçar, se coçar, espirrar. Este incômodo é tão persistente que os hindus (científicos a seu modo) conceberam uma prática especial para neutralizá-lo.

A palavra asana significa postura; mas como todas as palavras que têm causado discussão, seu significado exato se alterou com o tempo, ela tem sido usada com significados diversos por autores diversos. A maior autoridade sobre Yoga[1] é Patanjali. Ele diz: “Asana é aquilo que é firme e agradável.” Isto pode ser interpretado como a descrição do sucesso na prática. Sankhya, outro autor clássico sobre Yoga diz: “Postura é aquilo que é firme e fácil.” E diz também: “Qualquer postura que é firme e fácil é um Asana; não existe outra regra.” Isto é, qualquer postura serve.

De certa forma isto é verdade, pois qualquer postura mais cedo ou mais tarde se torna intolerável. A firmeza e a facilidade são a marca de um definido estágio de progresso, como será explicado mais adiante. Os livros hindus, tais como o Shiva Sanhita, descrevem uma quantidade de posturas: muitas, talvez a maioria, impossíveis para o homem ocidental mediano. Outros livros insistem em que a cabeça, o pescoço e a espinha devem ser conservados na vertical, eretos, por motivos ligados ao assunto de Prana, do qual trataremos adiante também. As posições ilustradas em Liber E (Equinox I (1) e (7)) formam o melhor guia[2].

O máximo em Asana é praticado pelos iogues que permanecem a vida inteira numa só posição, sem se moverem exceto em caso de absoluta necessidade. Não devemos criticar tais pessoas sem um conhecimento completo de seus motivos. Tal conhecimento ainda não foi dado a público.

Porém, podemos afirmar com segurança que desde que os grandes homens que já mencionamos não agiram assim, não é necessário que seus emuladores o façam. Escolhamos então uma posição que nos convenha, e observemos o que ocorre. Existe uma espécie de meio termo equilibrado entre a rigidez e a relaxação muscular. Os músculos não devem ficar retesados; ao mesmo tempo, não devem ser deixados soltos. É difícil expressar a situação. Preparado para se mover talvez seja a melhor descrição. Um senso de alerta físico é desejável. Visualize-se um tigre prestes a pular, ou um remador atleta de prontidão, esperando o sinal de partida. Após certo tempo, haverá câimbra e fadiga. É então que o estudante deverá trincar os dentes e persistir imóvel. As sensações de coceira, etc., desaparecerão se forem resolutamente desprezadas, mas a câimbra e a fadiga aumentarão até cessar a prática. Podemos começar com meia-hora, ou uma hora. O estudante não deve se assustar se o processo de abandonar a Asana após a prática exigir vários minutos de tremenda agonia.

Persistir na prática dia após dia requererá grande força de vontade, pois na maior parte dos casos verificar-se-á que o desconforto e a dor, em vez de diminuírem, tendem a aumentar.

Por outro lado, se o estudante não prestar atenção e não vigiar o corpo, um fenômeno oposto poderá ocorrer. Ele se moverá para aliviar a dor, sem perceber que está se movendo. Para evitar isto, escolha uma posição que seja naturalmente muito restritiva e difícil de manter, na qual pequenos deslocamentos musculares não sejam suficientes para trazer alívio. De outra forma, durante os primeiros dias, o principiante poderá até imaginar que dominou a prática! De fato, em todas essas técnicas iogues, a simplicidade aparente é tal que o principiante tende a se espantar com a gritaria dos peritos, talvez mesmo a imaginar que possui qualidades excepcionais. Assim mesmo, um homem que nunca pegou num taco de golfe a vida inteira pode pegar o guarda-chuva e fazer uma jogada que amedrontaria o campeão mundial.

Após alguns dias, porém, em todos os casos, os fenômenos descritos aparecerão. A medida que você progride, eles aparecem mais cedo no curso da hora de exercício. A relutância em praticar poderá se tornar quase invencível. Devemos prevenir o estudante contra a ideia de achar que alguma outra posição seria, talvez, mais fácil de dominar do que aquela que ele escolheu! Assim que a gente começa a mudar de uma posição para outra, estamos perdidos. Nunca alcançaremos o sucesso.

Talvez a recompensa para tanta dor e desconforto não esteja longe, acontecerá um dia que a dor subitamente é esquecida, o fato da presença do corpo é esquecido, e a gente percebe que durante nossa vida inteira o corpo sempre tinha intrometido suas mensagens no limiar da nossa consciência, e que aquelas mensagens eram de desconforto e de dor. E percebemos neste momento, com uma indescritível sensação de alívio, que não só esta posição, a qual nos causou tanta dor, é o próprio ideal de conforto físico, mas que qualquer outra posição do corpo é desagradável. Esta percepção representa o sucesso na prática.

Não haverá mais dificuldade. A gente entrará no Asana com a mesma sensação, quase, com que um homem fatigado entra em um banho quente: e, enquanto estivermos na posição que conquistamos, poderemos confiar em que o corpo não nos enviará nenhuma mensagem que possa perturbar nossa mente.

Outros resultados da prática de Asana são descritos por autores hindus, mas esses não nos concernem no presente. Nosso primeiro obstáculo acaba de ser removido, e podemos agora tratar dos outros obstáculos.

Aleister Crowley sentado no chão, abraçando as pernas, com a cabeça abaixada entre os joelhos.
Uma boa posição para meditação.


  1. Yoga é um substantivo do idioma sânscrito, genérico para a forma de meditação que se esforça por UNIR sujeito e objeto, porque provém do indo-europeu yog, que deu também origem à palavra inglesa yoke, à palavra latina jugum, e ao português jugo. ↩︎

  2. Existem quatro:
    a) Sente-se em uma cadeira, com a cabeça erguida, as costas retas, os joelhos juntos, as mãos nos joelhos e os olhos fechados. (“O Deus”.)
    b) Ajoelhe-se; as nádegas descansando sobre os calcanhares, dedos dos pés virados para trás, cabeça e costas retas, as mãos sobre as coxas. (“O Dragão”.)
    c) Ponha-se de pé; segure o tornozelo esquerdo com a mão direita (e pratique alternadamente no tornozelo direito com mão esquerda, etc.), indica- dor livre sobre os lábios. (“O Íbis”).
    d) Sente-se; calcanhar esquerdo comprimindo o ânus, pé direito pousado sobre os dedos dos pés, o calcanhar cobrindo o falo; braços estendidos ao longo dos joelhos; cabeça e costas retas. (“O Trovão”.) ↩︎


Traduzido por Marcelo Ramos Motta (Frater Ever). Revisado por Frater ΑΥΜΓΝ.

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