Dharana

Este artigo é um capítulo de Liber ABA – Magick – O Livro Quatro

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Capítulo V
Dharana

Agora que aprendemos a observar nossas mentes, de forma que sabemos algo da maneira como elas funcionam, e começamos a compreender os elementos de como controlá-las, poderemos tentar reunir todos os poderes da mente e concentrá-los num só ponto.

Sabemos que não é muito difícil, para a mente educada média, pensar sem muita distração num assunto no qual ela esteja bem interessada. Existe a frase popular, “remoendo algo na mente”, ou “matutando alguma coisa”. Enquanto o assunto for suficientemente complexo, e os pensamentos fluírem sem oposição, não existe grande dificuldade. Enquanto um giroscópio está em movimento, ele se mantém imóvel relativamente ao seu ponto de apoio, e até mesmo resiste a tentativas de desviá-lo. Mas quando ele para, cai da posição em que estava. Se a terra parasse de girar em torno do sol, ela imediatamente cairia no sol.

No momento em que o estudante escolher um assunto simples, ou melhor ainda, um objeto simples, e tentar imaginá-lo ou visualizá-lo, ele perceberá que não é tão senhor de sua mente quanto supunha. Outros pensamentos invadirão sua consciência, de forma que o assunto ou o objeto é esquecido por completo, às vezes por vários minutos; e no caso de objetos visualizados, o próprio objeto, em muitas ocasiões, começará a cometer todo o tipo de estrepolia.

Suponhamos que você tenha escolhido uma cruz branca como objeto de sua meditação. Ela moverá a barra horizontal para cima e para baixo, alongará a barra, tornará a barra oblíqua, ficará com braços desiguais, virará de cabeça para baixo, criará raminhos, ou uma rachadura, ou uma figura, mudará completamente de forma tal como uma ameba, mudará seu tamanho em sua distância separadamente ou simultaneamente, mudará a intensidade de sua iluminação, e até a sua cor. Ela ficará manchada, ficará inchada, criará desenhos em sua superfície, elevar-se-á, cairá, sacudir-se-á e se virará: nuvens passarão diante dela. Não há mudança de que ela não seja capaz. Sem mencionarmos que pode desaparecer completamente, e ser substituída por alguma coisa totalmente diversa!

E qualquer pessoa com quem isto não aconteça não deve imaginar que está meditando. A ausência de tais fenômenos apenas prova que somos incapazes de concentrar a mente no mínimo que seja. Um estudante pode prosseguir durante vários dias antes de perceber que não está meditando. Quando percebe, a rebeldia do objeto da meditação o irritará em extremo. E é apenas então que a Vontade realmente começa a se exercer, e a coragem da pessoa entra em prova. Se não fosse pelo desenvolvimento prévio da Vontade que conseguimos na conquista de Asana, nós provavelmente desistiríamos. A mera agonia física que a gente sofreu é a coisa mais insignificante do mundo, comparada com o pavoroso tédio de Dharana.

Durante a primeira semana tudo pode parecer muito divertido, e somos até capazes de imaginar que estamos progredindo. Mas à medida que a convivência com a prática nos ensina o que estamos fazendo, temos a impressão de que estamos ficando cada vez piores.

Por favor: o leitor deve compreender que, quando executamos esta prática, supõe-se que estamos sentados em Asana com um caderno de notas e lápis ao lado, e um relógio à nossa frente. No começo não devemos praticar mais de dez minutos de cada vez, para evitar o risco de fatigar demais o cérebro. De fato, o estudante provavelmente descobrirá que toda a sua força de vontade é insuficiente para manter a mente concentrada numa coisa só durante sequer três minutos, ou até três segundos, ou três quintos de um segundo! E quando dizemos “manter a mente concentrada” o que queremos realmente dizer é tentar manter a mente concentrada. A mente fica tão cansada e o objeto da meditação se torna tão incrivelmente repugnante, que é inútil persistir no início. Vemos nos relatórios de Frater P. que, após prática diária durante seis meses, meditações de quatro minutos, e até de menos, ainda estavam sendo registradas.

O estudante deve calcular o número de vezes que seu pensamento divaga; ele pode fazer isto contando nos dedos, ou usando uma fieira de contas[1]. Se estas “quebras” da meditação parecem se tornar mais, em vez de menos, frequentes, ele não deve desanimar: a aparente multiplicação é em parte causada pela sua maior agudez de observação. (Da mesma forma, quando o processo de vacinação contra a varíola foi introduzido, houve aparentemente um aumento de casos de varíola. Mas o motivo foi que as pessoas começaram a dizer a verdade a respeito da doença, em vez de fingir.)

Logo, porém, o controle começará a melhorar mais depressa do que a observação. Quando isto ocorre, a melhoria se tornará aparente no relatório. Qualquer variação será provavelmente devida a circunstâncias acidentais. Por exemplo, uma noite você pode estar muito cansado quando começa; noutra, você talvez tenha dor de cabeça, ou indigestão. Você fará bem em evitar praticar em tais ocasiões.

Suponhamos agora que você tenha atingido o estágio em que sua prática mediana sobre um assunto ou coisa qualquer é de mais ou menos meia hora, e o número médio de “quebras” entre dez e vinte. Poderíamos supor que isto significa que, durante os espaços de tempo entre as “quebras”, você esteve realmente concentrado; mas não é assim. A mente está oscilando, se bem que imperceptivelmente. No entanto, mesmo neste estágio inicial, poderá haver suficiente firmeza relativa para possibilitar a ocorrência de alguns fenômenos notáveis. O mais comum destes talvez lhe dê a impressão de que você caiu no sono. Ou talvez lhe pareça completamente inexplicável. De qualquer forma, ele tornará você desgostoso consigo mesmo. É o seguinte: você esquecerá completamente quem você é, o que você é, e o que você está fazendo! Um fenômeno semelhante a este ocorre algumas vezes de manhã, quando estamos semidespertos, e não conseguimos nos lembrar em que cidade estamos vivendo. A semelhança entre estas duas experiências é bastante significativa. Ela sugere que o que está realmente acontecendo é que você está despertando do sono a que os homens chamam de vigília, o sono cujos sonhos são a vida do homem comum.

Existe outra maneira de verificar nosso progresso nesta prática: pelo tipo de quebra que ocorre.

As quebras são classificadas da seguinte forma:

Primeiro, sensações físicas. Estas deveriam ter sido conquistadas por Asana.

Segundo, quebras que parecem ser causadas por acontecimentos que precederam imediatamente o início da meditação. A atividade destes se torna tremenda. Somente através desta prática podemos compreender quanta coisa é realmente observada pelos nossos sentidos sem que a mente se torne cônscia dos fatos.

Terceiro, existe uma classe de quebras que partilha da natureza de um “sonho acordado”. Estas são muito insidiosas – podemos continuar sonhando durante um tempo enorme, sem perceber que estamos divagando.

Quarto, existe um tipo muito elevado de quebra, que é uma espécie de aberração do controle mesmo. A pessoa pensa: “Como estou fazendo isto bem!” Ou pensamos que seria uma boa ideia se estivéssemos em uma ilha deserta, ou se estivéssemos em uma casa à prova de som, ou se estivéssemos sentados ao lado de uma cachoeira. Mas estas são variações insignificantes da vigilância propriamente dita.

Um quinto tipo de quebra parece não ter origem determinável em nossa mente. Estas podem até assumir a forma de alucinações, geralmente auditivas. Naturalmente, tais alucinações são infrequentes, e são sempre reconhecíveis como tais: de outra forma, a pessoa faria bem em consultar um alienista. Usualmente a quebra consiste em sentenças, ou fragmentos de sentenças, desconexas entre si, que são nitidamente ouvidas em uma voz humana, reconhecível como tal; não a voz do estudante, ou de qualquer pessoa que ele conheça. Um fenômeno análogo é observado por radiotelegrafistas, que chamam tais mensagens de “estática”.

Existe ainda outro tipo de quebra, que é o resultado desejado. Trataremos deste em detalhe mais adiante.

Note-se que há uma genuína sequência nestes tipos de quebra. À medida que nosso controle melhora, a quantidade de quebras primárias e secundárias diminui, mesmo se o número total de quebras numa meditação permanecer o mesmo. Quando estivermos meditando já duas ou três horas por dia, e enchendo o resto do dia com outras práticas cuja finalidade é auxiliar a prática principal, e alguma coisa ou outra começar sempre a acontecer, e tivermos um pressentimento constante de que estamos beirando “algo importante”, podemos esperar prosseguir ao estágio seguinte – Dhyana.


  1. Essa contagem pode facilmente se tornar mecânica. Que ele associe a noção de contagem com o pensamento que lhe registra uma quebra na meditação.

    O tipo mais grosseiro de “quebra” pode ser percebido por outra pessoa. É acompanhado por um visível tremor de pálpebra. Com a prática, a outra pessoa se tornará capaz de notar mesmo quebras mínimas. ↩︎


Traduzido por Marcelo Ramos Motta (Frater Ever). Revisado por Frater ΑΥΜΓΝ.

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