Liber LXV vel Cordis Cincti Serpente

Um relato das relações do Aspirante com seu Sagrado Anjo Guardião.

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Liber LXV vel Cordis Cincti Serpente

A∴A∴
Publicação em Classe A

sub figūrā אדני

«Traduzido por Marcelo Ramos Motta.»

I

1. Eu sou o Coração; e eis a Cobra enroscada
Da mente em volta ao cór do qual não se vê nada.
Ó minha cobra, sobe! Está chegada a hora
Da flor velada e santa. Ó minha cobra, aflora!
Sobe com esplendor que fulge e que retumba
No cadáver de asar que flutua na tumba!
Ó coração de mãe, de irmã, coração meu
Tu és jogado ao Nilo; Tifon, ele é teu!
Ah me! Porém a glória e fúria da tormenta
Enfaixa-te de força, em forma te acalenta
Aquieta-te, Ó minha alma! A fim que suma o encanto
Ao erguer dos condões, findo aeon; novo, e santo!
Vê! que belo que sou, que alegre assim Te faço,
Ó Cobra que me envolves no tempo e no espaço!
Vê! Nós somos um só, e o vendaval de arroube
Vai, desce no poente, e o Escaravelho sobe.
Ó Kephra! Teu zumbido, a nota pura e santa,
Seja sempre o só trance e voz desta garganta!
Eu aguardo a alvorada! O chamado do Pai,
O Senhor Adonai, o Senhor Adonai!

2. Adonai falou a V.V.V.V.V., dizendo: Deve haver sempre divisão na palavra.

3. Pois as cores são muitas, mas a luz é uma.

4. Portanto tu escreves aquilo que é de esmeralda-mãe, e de lápis-lazúli, e de turquesa, e de alexandrita.

5. Outro escreve as palavras de topázio, e de profundo ametista, e de safira cinza, e de profundo safira com um toque como que de sangue.

6. Portanto vós vos afligis por causa disto.

7. Não vos contenteis com a imagem.

8. Eu que sou a Imagem de uma Imagem digo isto.

9. Não discutais a imagem, dizendo Além! Além!

Sobe-se à Coroa pela lua e pelo Sol, e pela seta, e pelo Fundamento, e pelo escuro lar das estrelas partindo da terra negra.

10. Não de outra forma podeis vós atingir a Ponta Polida.

11. Nem está bem que o sapateiro tagarele do assunto Real. Ó sapateiro! conserta-me este sapato, para que eu possa andar. Ó rei! Se eu for teu filho, falemos da Embaixada ao Rei teu Irmão.

12. Então houve silêncio. A fala nos deixará por algum tempo.

Existe uma luz tão estrênua que não é percebida como luz.

13.O acônito não é tão agudo quanto o aço; no entanto fere o corpo mais sutilmente.

14. Tal como beijos malignos corrompem o sangue, assim minhas palavras devoram o espírito do homem.

15. Eu respiro, e há infinito desassossego no espírito.

16. como um ácido corrói o aço, como um câncer que corrompe por completo o corpo, assim sou Eu para o espírito do homem.

17. Eu não descansarei até que o tenha dissolvido todo.

18. Assim também a luz que é absorvida. Um absorve pouca, e é chamado branco e reluzente; um absorve toda e é chamado negro.

19. Portanto, Ó meu querido, tu és negro.

20. Ó meu lindo, Eu te tornei semelhante a um retinto escravo núbio, um menino de olhos tristes.

21.Ó o cão! O imundo! eles gritam contra ti.

Porque tu és meu bem-amado.

22. Felizes aqueles que te elogiam; pois eles te veem com Meus olhos.

23. Não em volta alta eles te elogiarão; mas na guarda noturna um se aproximará furtivamente e te dará o aperto secreto; outro em privado te coroará com uma coroa de violetas; um terceiro ousará grandemente, e beijará com lábios loucos os teus.

24. Sim! a noite cobrirá tudo, a noite cobrirá tudo.

25. Tu Me procuraste longamente; tu correste tanto avante que Eu não pude te alcançar.

Ó tu querido tolo! De que amargura te coroaste os dias.

26. Agora Eu estou contigo; Eu jamais deixarei ser.

27. Pois Eu sou aquela macia, sinuosa, enroscada em volta tua, coração de ouro!

28. Minha cabeça, está adereçada com doze estrelas; Meu corpo é branco como leite das estrelas; brilha com o azul do abismo de estrelas invisível.

29. Eu achei aquilo que não podia ser achado; Eu achei um vaso de mercúrio.

30. Tu instruirás teu servo em seus caminhos, tu falarás muito com ele.

31. (O escriba olha para cima e grita) Amem! Tu o disseste, Senhor Deus!

32. Adonai falou mais a V.V.V.V.V. e disse:

33. Deleitemo-nos na multidão dos homens!

Construamos deles um bote de madrepérola para nós, a fim de navegarmos no rio de Amrit!

34. Tu vês aquela pétala de amaranto soprada pelo vento das baixas, doces sobrancelhas de Hathor?

35. (O Magister viu-a, e regozijou-se na beleza dela.) Escuta!

36. (De um certo mundo veio um lamento infinito.)

Aquela pétala caindo pareceu aos pequeninos uma onda para engolir seu continente.

37. Assim eles recriminarão teu servo, dizendo: Quem te encarregou de nos salvar?

38. Ele sofrerá muito.

39. Todos eles não compreendem que tu e Eu estamos fazendo um bote de madrepérola. Nós desceremos o rio de Amrit até os bosques de teixos de Yama, onde podemos nos regozijar extremamente.

40. A alegria dos homens será o nosso brilho prateado, a tristeza deles será o nosso brilho azulado – tudo na madrepérola.

41. (O escriba se enraiveceu com isto. Ele disse:

Ó Adonai e meu mestre, eu tenho carregado o tinteiro e a pena sem salário, a fim de que eu pudesse buscar esse rio de Amrit, e navegar nele como um de vós. Isto eu exijo como paga, que eu partilhe do eco de vossos beijos.)

42. (E imediatamente lhe foi isto concedido.)

43. (Não; mas não com isto ele se contentou. Por um infinito rebaixamento em vergonha ele se esforçou. Então uma voz:)

44. Tu te esforças sempre; mesmo em te entregando tu te esforças por entregar-te – e vê! Tu não te entregas.

45. Vai aos lugares mais externos e submete todas as coisas.

46. Submete teu medo e teu desgosto. Então – entrega-te!

47. Houve uma virgem que andava a esmo no trigal, suspirando; então nasceu algo novo, um narciso, e nele ela esqueceu seu suspiro e sua solidão.

48. No mesmo instante Hades se abateu sobre ela e possuiu-a e a levou.

49. (Então o escriba conheceu o narciso em seu coração; mas como não lhe subia aos lábios, ele envergonhou-se e se calou.)

50. Adonai falou uma vez ainda com V.V.V.V.V. e disse:

A terra está madura para a vindima; comamos de suas uvas, e embriaguemo-nos com elas.

51. E V.V.V.V.V. respondeu e disse: Ó meu senhor, meu pombo, meu excelso, como parecerá esta palavra às crianças dos homens?

52. E Ele respondeu-lhe: Não qual podes ver.

É certo que cada letra desta cifra tem algum valor; mas quem determinará o valor? Pois varia sempre, de acordo com a sutileza d’Aquele que a fez.

53. E Ele respondeu-lhe: Não tenho Eu a chave da cifra?

Eu estou vestido com o corpo de carne; Eu sou um com o Eterno e Onipotente Deus.

54. Então disse Adonai: Tu tens a Cabeça do Falcão, e teu Falo é o Falo de Asar. Tu conheces o branco, e tu conheces o negro, e tu sabes que estes são um. Mas por que buscas tu o conhecimento da equivalência deles?

55. E ele disse: Para que minha Obra possa ser correta.

56. E Adonai disse: O segador forte e moreno varreu a sua ceifa, e regozijou-se. O homem sábio contou seus músculos, e ponderou, e não compreendeu, e ficou triste.

Sega tu, e regozija-te!

57. Então o Adepto alegrou-se, e levantou seu braço.

Vede! um terremoto, e praga, e terror sobre a terra!

Uma queda daqueles que sentavam em lugares elevados; uma fome sobre a multidão!

58. E a uva caiu madura e rica em sua boca.

59. Manchada está a púrpura da tua boca, Ó brilhante, com a glória branca dos lábios de Adonai.

60. A espuma da uva é como a tormenta sobre o mar; os navios tremem e sacodem-se; o capitão está com medo.

61. Isso é a tua embriagues, Ó santo, e os ventos rodopiam a alma do escriba para dentro do porto feliz.

62. Ó Senhor Deus! que o porto caia na fúria da tormenta! Que a espuma da uva tinja minha alma com Tua luz!

63. Bacchus envelheceu, e foi Silenus; Pan sempre foi Pan, para sempre e sempre mais, através dos aeons.

64. Intoxica o mais íntimo, Ó meu amante, não o mais externo.

65. Assim foi – sempre o mesmo! Eu mirei à baqueta pelada de meu Deus, e eu atingi; sim, eu atingi.

II

1. Eu entrei na montanha lápis-lazúli, mesmo como um falcão verde entre os pilares de turquesa que está sentado sobre o trono do Oriente.

2. Assim cheguei a Duant, a habitação das estrelas, e ouvi vozes que gritavam alto.

3. Ó Tu que sentas sobre a Terra! (Assim me falou uma certa Figura Velada) tu não és maior que tua mãe! Tu grão de pó infinitésimo!

Tu és o Senhor da Glória, e o cão imundo.

4. Descendo, mergulhando minhas asas, eu cheguei às habitações de escuro esplendor. Lá, naquele abismo informe, fui eu feito um comungante dos Mistérios Invertidos.

5. Eu sofri o abraço mortal da Cobra e do Bode; eu prestei a homenagem infernal à vergonha de Khem.

6. Nisto havia esta Virtude, que o Um tornou-se o todo.

7. Além disto, eu tive a visão de um rio. Nele havia um botezinho; e neste, sob velas de púrpura, estava uma mulher dourada, uma imagem de Asi lavrada do ouro mais fino. Também, o rio era de sangue, e o bote de aço brilhante. Então eu a amei; e, desatando meu cinturão, atirei-me à correnteza.

8. Eu recolhi-me ao botezinho, e durante muitos dias e noites eu a amei, queimando lindo incenso diante dela.

9. Sim! Eu lhe dei da flor da minha juventude.

10. Mas ela não se moveu; apenas, pelos meus beijos eu a conspurquei tanto que ela enegreceu perante mim.

11. Entretanto eu a adorei, e dei-lhe da flor da minha juventude.

12. Também aconteceu que através disto ela adoeceu, e corrompeu-se diante de mim. Quase me atirei à correnteza.

13. Então, no fim marcado, seu corpo era mais branco que o leite das estrelas, e sua boca rubra e quente como o ocaso, e sua vida de um branco em brasa como o calor do sol do meio-dia.

14. Então ela se ergueu do abismo de Idades de Sono, e eu seu corpo me abraçou. Eu me derreti por completo em sua beleza, e alegrei-me.

15. Também o rio tornou-se o rio de Amrit, e o botezinho era a carruagem da carne, e suas velas o sangue do coração que me carrega, que me carrega.

16. Ó mulher serpente das estrelas! Eu, mesmo eu, Te fiz de uma pálida imagem de ouro fino.

17. Também o Santo veio sobre mim, e eu vi um cisne branco flutuando no azul.

18. Entre suas asas eu me sentei, e os aeons fugiram.

19. Então o cisne voou, e mergulhou, e subiu; no entanto não fomos alhures.

20. Um meninote louco que montava comigo falou ao cisne e disse:

21. Quem és tu que flutuas e voas e mergulhas e sobes no inano? Vê, todos estes aeons passaram; de onde vens tu? Aonde vais?

22. E rindo eu lhe ralhei, dizendo: Não há de onde! Não há aonde!

23. O cisne não falando, ele respondeu: Então, se não há fito, para quê esta jornada eterna?

24. E eu reclinei minha cabeça contra a Cabeça do Cisne, e ri-me, dizendo: Não há alegria inefável neste voo sem fito? Não há cansaço e impaciência para quem quereria alcançar algum alvo?

25. E o cisne permaneceu silente. Ah! Mas nós flutuamos no infinito Abismo. Alegria! Alegria!

Cisne branco, sustenta-me sempre entre as tuas asas!

26. Ó silêncio! Ó raptura! Ó fim das coisas visíveis e invisíveis! Tudo isto é meu, que Não sou.

27. Deus Radiante! Deixa que eu faça uma imagem de ouro e gemas para Ti! para que o povo possa derrubá-la e espezinhá-la em pó! Para que a Tua glória seja vista deles.

28. Nem será dito nos mercados que eu cheguei quem deveria vir; mas Tua vinda será a palavra única.

29. Tu Te manifestarás no imanifesto; nos lugares secretos os homens te encontrarão, e Tu os conquistarás.

30. Eu vi um jovem pálido e triste deitado sobre o mármore à luz do sol, chorando. A seu lado estava o alaúde esquecido. Ah! mas ele chorava.

31. Então veio uma águia do abismo de glória e cobriu-o com sua sombra. Tão negra era a sombra que ele ficou invisível.

32. Mas eu ouvi o alaúde tocando vivamente através do ar azul e quieto.

33. Ah! Mensageiro do Bem-Amado, cobre-me com a Tua sombra!

34. Teu nome é Morte, talvez; ou Vergonha, ou Amor.

Contanto que me tragas novas do Bem-Amado, não perguntarei teu nome.

35. Onde está agora o Mestre? gritam os loucos meninotes.

Ele está morto! Ele está envergonhado! Ele está casado! E sua zombaria dará volta ao mundo.

36. Mas o Mestre terá tido a sua recompensa.

O riso dos zombadores será um corrupio no cabelo do Bem-Amado.

37. Vê! O Abismo da Grande Profundeza.

Ali está um pujante golfinho, fustigando seus lados com a força das ondas

38. Ali está também uma harpista de ouro, tocando infinitas melodias.

39. Então o golfinho deleitou-se nelas, e deixou seu corpo, e se tornou uma ave.

40. O harpista também pôs de lado sua harpa, e tocou melodias infinitas na Flauta de Pan.

41. Então a ave desejou muito esta alegria, e depondo suas asas, tornou-se um fauno na floresta.

42. O harpista também depôs sua flauta de Pan, e com a voz humana cantou suas melodias infinitas.

43. Então o fauno encantou-se, e foi-lhe atrás muito longe; por fim o harpista calou-se, e o fauno virou Pan no meio da primal floresta da Eternidade.

44. Tu não podes encantar o golfinho com silêncio, Ó meu profeta!

45. Então o adepto foi arrebatado em dita, e o além da dita, e excedeu o excesso do excesso.

46. Também seu corpo tremeu e cambaleou com a carga daquela dita, e daquele excesso, e daquele ultimal inominável.

47. Eles gritaram Ele está ébrio ou Ele está louco ou Ele sente dor ou Ele está a ponto de morte; e ele não os ouviu.

48. Ó meu Senhor, meu bem-amado! Como hei de compor cantos, quando até a memória da sombra da tua glória é uma coisa além de toda música da fala ou do silêncio?

49. Vê! eu sou um homem. Mesmo uma criancinha poderia não Te suportar. E então!

50. Eu estava só num grande parque, e junto a um certo outeiro estava um anel de relva profunda esmaltada onde uns vestidos de verde, lindíssimos, brincavam.

51. Em seu brinquedo eu cheguei até mesmo à terra do Sono Encantando.

Todos os meus pensamentos estavam vestidos de verde; lindíssimos eram eles.

52. A noite inteira eles dançaram e cantaram; mas Tu és a manhã, Ó meu querido, minha serpente que Te enroscas em redor deste coração.

53. Eu sou o coração, e Tu a serpente. Aperta mais teus anéis em volta minha, para que nem luz nem dita possam penetrar.

54. Arrebenta-me em sangue, como uma uva sobre a língua de uma branca jovem Dórica que enlanguesce ao luar com seu amante.

55. Então que o Fim desperte. Longo tempo tu dormiste, Ó grande Deus Terminus! Longamente tu esperaste no fim da cidade e das estradas destas.

Acorda Tu! Não esperes mais!

56. Não, Senhor! mas eu cheguei a Ti. Sou eu que espero enfim.

57. O profeta gritou contra a montanha: vem tu aqui, para que eu possa falar-te!

58. A montanha não se moveu. Portanto foi o profeta até à montanha, e falou-lhe. Mas os pés do profeta ficaram cansados, e a montanha não lhe ouviu a voz.

59. Mas eu clamei alto por Ti, e eu viajei em busca Tua, e de nada me valeu.

60. Eu esperei com paciência, e Tu estavas comigo desde o início.

61. Isto agora eu sei, Ó meu amado, e nós estamos deitados à vontade entre os vinhais

62. Mas estes teus profetas; eles devem gritar alto e fustigar-se; eles devem cruzar desertos virgens e oceanos insondados; esperar por Ti é o fim, não o princípio.

63. Que escuridão cubra a escrita! Que o escriba se vá em seus caminhos.

64. Mas tu e Eu estamos deitados à vontade entre os vinhais; o que é ele?

65. Ó Tu Bem-Amado! não existe um fim? Não, mas existe um fim. Acorda! levanta-te! cinge teus membros, Ó tu corredor; leva a Palavra às cidades pujantes, sim, às cidades pujantes.

III

1. Em verdade e Amém! Eu passei pelo mar profundo, e pelos rios de água corrente que ali abundam, e eu cheguei à Terra Sem Desejo.

2. Onde estava um unicórnio branco com uma coleira de prata, na qual estava gravado o aforisma Linea viridis gyrat universa.

3. Então a palavra de Adonai veio a mim pela boca do Magister meu, dizendo: Ó coração que estas cingido com os anéis da velha cobra, levanta-te à montanha da iniciação!

4. Mas eu lembrei-me. Sim, Than, sim, Theli, sim, Lilith! Estas três me cingiam de há muito. Pois elas são uma.

5. Linda eras tu, Ó Lilith, tu mulher-serpente!

6. Eras esguia e teu gosto uma delícia, e teu perfume era de almíscar misturado de ambergris.

7. Tu apertavas o coração com teus anéis, e isso era como a primavera da alegria.

8. Mas eu vi em ti uma certa mancha, mesmo naquilo em que me deleitava.

9. Eu vi em ti a mancha de teu pai o macaco, do teu avô o Verme Cego do Lodo.

10. Eu olhei no Cristal do Futuro, e vi o horror do teu Fim.

11. Mais, eu destruí o tempo Passado, e o tempo Vindouro – não tinha eu o Poder da Ampulheta?

12. Mas mesmo na hora eu vi corrupção.

13. Então eu disse: Ó meu amado, Ó Senhor Adonai, eu te rogo que desfaças as roscas da serpente!

14. Mas ela estava apertada em volta minha, de modo que minha Força era impedida em seu começo.

15. Também eu orei ao Deus Elefante, o Senhor dos Começos, que derruba obstrução.

16. Estes deuses vieram prontamente em minha ajuda. Eu os vi; eu me uni a eles; eu me perdi em sua vastidão.

17. Então eu me percebi cingido pelo Infinito Círculo de Esmeralda que circunda o Universo.

18. Ó Serpente de Esmeralda, Tu não tens tempo Passado, nem tempo Vindouro. Em verdade, Tu não és.

19. Tu és gostosa além do tato e do sabor, Tu não podes ser vista de glória, Tua voz está além da Fala e do Silêncio e da Fala do Silêncio, e Teu perfume é de puro ambergris, que não é de se pesar contra o mais fino do ouro fino.

20. Também Tuas roscas são de infinito alcance; o Coração que Tu encercas é um Coração Universal.

21. Eu, e Mim, e Meu, estavam sentados com alaúdes na praça de mercado da grande cidade, a cidade das violetas e das rosas.

22. A noite caiu, e a música dos alaúdes parou.

23. A tempestade rugiu, e a música dos alaúdes parou.

24. A hora passou, e a música dos alaúdes parou.

25. Mas Tu és a Eternidade e o Espaço; Tu és Matéria e Movimento; e Tu és a negação de tudo isso.

26. Pois não existe Símbolo de Ti.

27. Se eu digo Subi sobre as montanhas! as águas celestiais fluem ao meu comando. Mas tu és a Água além das águas.

28. O rubro coração triangular foi colocado em Teu templo; pois os sacerdotes desprezaram igualmente o templo e o deus.

29. No entanto o tempo todo tu ali oculto estavas, como o Senhor do Silêncio está oculto nos botões do lotus.

30. Tu és Sebek o crocodilo contra Asar; tu és Mati, o Assassino no Profundo. Tu és Tifon, a Fúria dos Elementos, Ó Tu que transcendes as Forças em seu Concurso e Coesão, em sua Morte e Disrupção. Tu és Piton, a terrível serpente em volta do fim de todas as coisas!

31. Eu me virei três vezes em todas as direções; e sempre eu cheguei a Ti por fim.

32. Muitas coisas eu vi, mediatas e imediatas; mas não as vendo mais, eu vi a Ti.

33. Vem Tu, Ó Bem-Amado! Ó Senhor Deus do Universo, Ó Vastidão, Ó Minúcia! Eu sou o Teu amado.

34. O dia inteiro eu canto o Teu deleite; a noite inteira eu me deleito em Teu canto.

35. Não existe nenhum outro dia ou noite que este.

36. Tu estás além do dia e da noite; eu sou Tu mesmo, Ó meu Criador, meu Mestre, meu Esposo!

37. Eu sou como o cachorrinho vermelho que está sentado nos joelhos do Desconhecido.

38. Tu me trouxeste a grande deleite. Tu me deste da Tua carne a comer e do Teu sangue como uma oferta de intoxicação.

39. Tu ferraste as presas da Eternidade em minha alma, e o Veneno do Infinito me consumiu inteiramente.

40. Eu estou tornado como um opulento diabo da Itália, uma mulher loura e forte de face cavada, comida de fome de beijos. Ela bancou a rameira em diversos palácios; ela deu seu corpo às bestas.

41. Ela matou seus parentes com forte veneno de sapos; ela foi castigada com muitas varas.

42. Ela foi despedaçada sobre a Roda; as mãos do verdugo a amarram ali.

43. As fontes de água foram abertas sobre ela; ela lutou contra tormento extremo.

44. Ela rebentou sob o peso das águas; ela afundou no horrendo mar.

45. Assim sou eu, Ó Adonai, meu senhor, e assim são as águas da Tua intolerável Essência.

46. Assim sou eu, Ó Adonai, meu amor, e Tu me arrebentaste por completo.

47. Eu estou derramado como sangue sobre os picos; os Corvos da Dispersão me levaram por completo.

48. Portanto está afrouxando o selo que guardava o Oitavo abismo; portanto é o vasto mar como um véu; portanto há uma dilaceração de todas as coisas.

49. Sim, também em verdade Tu és a fresca quieta água da fonte encantada. Eu me banhei em Ti, e me perdi em Tua quietude.

50. Aquilo que entrou como um valente menino de lindos membros sai como uma donzela, como uma criancinha em sua perfeição.

51. Ó Tu luz e deleite, arrebata-me ao oceano leitoso das estrelas!

52. Ó Tu Filho de uma mãe que transcende a luz, abençoado seja Teu nome, e o Nome de Teu Nome, através das idades!

53. Vê! eu sou uma borboleta na Fonte da Criação; deixa-me morrer antes da hora, caindo morto em Tua corrente infinita!

54. Também a corrente das estrelas flui sempre majestosa à Habitação; carrega-me no Colo de Nuit!

55. Este é o mundo das águas de Maim; esta é a água amarga que se torna doce. Tu és belo e amargo, Ó dourado, Ó meu Senhor Adonai, Ó tu Abismo de Safira!

56. Eu sigo a Ti, e as águas da Morte lutam estrênuas contra mim. Eu passo às Águas além da Morte e além da Vida.

57. Como responderei ao homem tolo? Por nenhum caminho ele chegará a Tua identidade!

58. Mas eu sou o Tolo que não liga ao Jogo do Mago. A mim a Mulher dos Mistérios instrui em vão; eu quebrei os grilhões do Amor e do Poder e da Adoração.

59. Portanto é a Águia unida ao Homem, e a forca da infâmia dança com o fruto do justo.

60. Eu baixei, Ó meu querido, às águas negras e brilhantes, e Te colhi com uma pérola negra de valor infinito.

61. Eu desci, Ó meu Deus, ao abismo do todo, e eu Te encontrei lá no meio sob o disfarce de Nada.

62. Mas como Tu és o Último, Tu és também o Próximo, e como o Próximo eu Te revelo à multidão.

63. Aqueles que sempre Te desejam Te obterão, mesmo no Fim do seu Desejo.

64. Glorioso, glorioso, glorioso Tu és, Ó meu amante superno, Ó Ser do meu ser.

65. Pois Te achei igualmente no mim e no Ti; não há diferença; Ó meu belo, Ó meu Desejável! No Um e nos Muitos eu Te encontrei; sim, eu Te encontrei.

IV

1. Ó coração de cristal! Eu a Serpente Te abraço; Eu enterro minha cabeça no Teu centro mais íntimo, Ó Deus meu amor.

2. Mesmo qual nos ressoantes altos varridos de vento de Mytilene alguma mulher como deusa põe de lado a lira e, seus cabelos flamejando qual auréola, mergulha no líquido do coração da criação, assim Eu, Ó Senhor meu Deus!

3. Há uma beleza indizível neste coração de corrupção, onde as flores flamejam.

4. Ah me! mas a sede de Tua alegria resseca esta garganta, de modo que Eu não posso cantar

5. Eu me farei um botezinho de minha língua, e explorarei os rios desconhecidos. Pode ser que o eternos sal vire doçura, e minha vida não seja mais sedenta.

6. Ó vós que bebeis de salmoura do vosso desejo, estais perto da loucura! Vossa tortura cresce se bebeis, e continuais bebendo. Subi pelos regatos à água fresca; Eu vos esperarei com os meus beijos.

7. Como a pedra-bezoar que é encontrada na barriga da vaca, assim é meu amante entre os amantes.

8. Ó menino de mel! Traz-me aqui Teus membros frescos! Sentemo-nos por um pouco na chácara, até o sol descer! Festejamos sobre a relva fresca. Trazei vinho, vós escravos, para que as bochechas do meu menino se enrubesçam.

9. No jardim de imortais beijos, Ó tu Brilhante, resplandece! Faz de Tua boca uma papoula, que um beijo é a chave do sono infinito e lúcido, o sono de Shi-loh-am.

10. Em meu sono Eu contemplei o Universo como um cristal límpido sem mancha.

11. Existem ricaços vaidosos sem vintém que ficam à porta da taverna e tagarelam de seus feitos de bebedores de vinho.

12. Existem ricaços vaidosos sem vintém que ficam à porta da taverna e insultam os hóspedes.

13. Os hóspedes brincam sobre sofás de madrepérolas no jardim; o barulho dos homens tolos está escondido deles.

14. Apenas o taverneiro teme que o favor do rei lhe seja retirado.

15. Assim falou o Magister V.V.V.V.V., a Adonai seu Deus, enquanto eles brincavam juntos à luz das estrelas de encontro à profunda poça negra que está no Lugar Santo da Casa Santa sob o Altar do Santíssimo.

16. Mas Adonai riu, e brincou mais lânguido.

17. Então o escriba tomou nota, e alegrou-se. Mas Adonai não tinha medo do Mago e seu brinquedo.

Pois foi Adonai quem ensinou ao Mago todos os seus truques.

18. E o Magister entrou no jogo do Mago. Quando o Mago ria, ele ria; tudo como deve um homem fazer.

19. E Adonai disse: Tu estás enredado na teia do Mago. Isso Ele disse sutilmente, para prová-lo.

20. Mas o Magister deu o sinal do Magistério e riu-Lhe: Ó Senhor, Ó bem-amado, relaxaram-se estes dedos nos anéis dos Teus cabelos, ou desviaram-se estes olhos do Teu olho?

21. E Adonai deleitou-se extremamente nele.

22. Sim, Ó meu mestre, tu és o amado do Bem-Amado; a Ave Bennu não está posta em Philae em vão.

23. Eu fui a sacerdotisa de Ahathoor regozijo-me no vosso amor. Ergue-te, Ó Deus-Nilo, e devora o lugar santo da Vaca do Céu! Que o leite das estrelas seja bebido por Sebek o habitante do Nilo!

24. Levanta-Te, Ó serpente Apep, Tu é Adonai o bem-amado! Tu és meu querido e meu senhor, e Teu veneno é mais doce que os beijos de Isis a mãe dos Deuses!

25. Pois Tu és Ele! Sim, Tu engolirás Asi e Asar e os filhos de Ptah. Tu vomitarás uma enxurrada de veneno para destruir os trabalhos do Mago. Somente o Destruidor Te devorará; Tu lhe enegrecerás a garganta, onde seu espírito habita. Ah, serpente Apep, mas Eu Te Amo!

26. Meu Deus! Que Tua presa secreta penetre até o tutano do ossinho secreto que eu guardei para o Dia de Vingança de Hoor-Ra. Que Kheph-Ra zumba com seus élitros! que os chacais de Dia e Noite uivem na imensidão do Tempo! que as Torres do Universo tremam, e os guardiões fujam correndo! Pois meu Senhor revelou-Se como uma serpente pujante, e o meu coração é o sangue do Seu corpo.

27. Eu sou como uma cortesã de Corinto doente de amor. Eu brinquei com reis e capitães, e fiz deles meus escravos. Hoje eu sou a escrava da viborazinha da morte; e quem desatará nosso amor?

28. Cansado, cansado! Diz o escriba, quem me levará à visão da Raptura de meu mestre?

29. O corpo está cansado de e alma cansadíssima, e sono lhes pesa nas pálpebras; no entanto está sempre presente a certeira consciência do êxtase, desconhecido, entretanto conhecido em que sua existência é certa. Ó Senhor, sê minha ajuda e traze-me à dita do Bem-Amado!

30. Eu cheguei à casa do Bem-Amado, e o vinho era como fogo que voa de asas verdes pelo mundo das águas.

31. Eu senti os lábios rubros da natureza e os lábios negros da perfeição. Como irmãs elas me afagaram seu irmãozinho; elas me adornaram como noiva; elas me trouxeram ao Teu quarto de núpcias.

32. Elas fugiram à Tua vinda; eu fiquei só perante Ti.

33. Eu tremi à Tua vinda, Ó meu Deus, pois Teu mensageiro era mais terrível que a estrela-Morte.

34. No umbral quedou a fulminante figura do Mal, o Horror do vazio, com seus olhos fosforescentes como poços venenosos. Ele quedou, e o quarto corrompeu-se; o ar fedia. Ele era um velho peixe enrugado, mais horrendo que os cascões de Abaddon.

35. Ele me envolveu com seus tentáculos demoníacos; sim, os oito medos se apossaram de mim.

36. Mas eu estava ungido com o mui-doce óleo do Magister; escorreguei do abraço como uma pedra da funda de um menino dos bosques.

37. Eu era liso e duro como o marfim; o horror não conseguiu apoio. Então, ao ruído do vento da Tua vinda, ele foi dissolvido, e o abismo do grande vazio foi desdobrado diante de mim.

38. Através do mar sem ondas da eternidade Tu cavalgaste com Teus capitães e Tuas hostes; com Teus carros e cavaleiros e lanceiros Tu viajaste pelo azul.

39. Antes que eu Te visse, Tu estavas já comigo; eu fui trespassado por Tua maravilhosa lança.

40. Eu fui aturdido qual uma ave pelo relâmpago do Trovejador; eu fui varado como o ladrão pelo Senhor do Jardim.

41. Ó meu Senhor, naveguemos sobre o mar de sangue!

42. Existe uma profunda mancha sob o deleite inefável; é a mancha da geração.

43. Sim, se bem que a flor dança brilhante à luz do sol, a raiz se afunda na escuridão da terra.

44. Louvor a ti, Ó linda terra escura, tu és a mãe de um milhão de miríadas de miríadas de flores.

45. Também eu contemplei meu Deus, e Sua face era mil vezes mais brilhante do que o raio. Mas em seu coração eu vi o Lento e Escuro, o anciente, o devorador de Seus filhos.

46. No píncaro e no abismo, Ó meu lindo, não existe nada, em verdade não existe coisa alguma que não seja completamente e perfeitamente feita para Teu deleite.

47. A Luz se agarra à Luz, e a escória à escória; com orgulho uma acusa a outra. Mas não Tu, que és tudo, e além disso; que estás absolvido da Divisão das Sombras.

48. Ó dia da Eternidade, que Tua onda se quebre em glória quieta de safira sobre o laborioso coral que fabricamos!

49. Nós fizemo-nos um anel de branca areia reluzente, esparzida sabiamente no meio do Oceano Deleitoso.

50. Que as palmeiras de brilho floresçam sobre a nossa ilha; nós comeremos do seu fruto, e nos alegraremos.

51. Mas para mim a água lustral, a grande ablução, a dissolução da alma naquele ressoante abismo.

52. Eu tenho um filhinho como um bode malandro; minha filha é como uma aguiazinha sem plumas; eles conseguirão nadadeiras, para que possam nadar.

53. Para que eles possam nadar, Ó meu amado, nadar longe no morno mel do Teu ser, Ó abençoado, Ó menino de beatitude!

54. Este meu coração está cingido com a serpente que devora seus próprios anéis.

55. Quando haverá um fim, Ó meu querido, Ó quando serão o Universo e seu Senhor completamente engolidos?

56. Não! quem devorará o Infinito? quem desfará o Erro do Princípio?

57. Tu gritas como um gato branco no telhado do Universo; nenhum existe para Te responder.

58. Tu és como um pilar solitário no meio do mar; nenhum existe para Te ver, Ó Tu que vês tudo!

59. Tu esmoreces, tu fracassas, tu escriba; gritou a Voz desolada; mas Eu te enchi de um vinho cujo sabor tu não conheces.

60. Ele servirá para embriagar o povo da velha esfera cinzenta que rola no infinitamente Longe; eles lamberão o vinho como cães que lambem o sangue de uma linda cortesã trespassada pela Lança de um veloz cavaleiro que atravessa a cidade.

61. Também Eu sou a Alma do deserto; tu me buscarás ainda uma vez na solidão da areia.

62. À tua mão direita, um grão-senhor, e formoso; à tua mão esquerda uma mulher vestida em gaze e ouro, tendo as estrelas em seu cabelo. Vós viajareis longe numa terra de mal e pestilência; vós acampareis no rio de uma tola cidade esquecida; lá vos encontrareis Comigo.

63. Lá Eu farei Minha habitação; como para bodas Eu virei enfeitado e ungido; lá a Consumação será feita.

64. Ó meu querido, Eu também espero pelo brilho de hora inefável, quando o universo será como uma cinta para o meio do raio do nosso amor, estendendo-se além do fim permitido do Infindo.

65. Então, Ó tu coração, Eu a serpente te devorarei por completo; sim, Eu te devorarei por completo.

V

1. Ah! meu Senhor Adonai que brincas com o Magister na Tesouraria das Pérolas, que eu escute o eco de vossos beijos.

2. Não é o céu estrelado sacudido como uma folha à trêmula raptura do vosso amor? Não sou eu a esvoaçante fagulha de luz arremessada longe pelo grande vento da vossa perfeição?

3. Sim, gritou o Santíssimo, e da Tua fagulha Eu o Senhor acenderei uma grande luz; Eu queimarei por completo a cidade cinzenta na velha terra desolada; Eu a limparei da sua grande impureza.

4. E tu, Ó profeta, verás estas coisas, e tu não ligarás a elas.

5. Agora está o Pilar estabelecido no Vazio; agora está Asi satisfeita por Asar; agora é Hoor baixado à Alma Animal das Coisas como uma estrela flamejante que cai sobre a escuridão da terra.

6. Através da meia-noite tu és deixado cair, Ó minha criança, meu conquistador, meu capitão cingido com a espada, Ó Hoor! Eles te acharão como uma nodosa brilhante pedra negra, e eles te adorarão.

7. Meu profeta profetizará a teu respeito; em tua volta dançarão as donzelas, e brilhantes bebês lhes nascerão. Tu inspirarás os orgulhosos com infinito orgulho, e os humildes com um êxtase de abjeção; tudo isto transcenderá o Conhecido e o Desconhecido com algo que não tem nome. Pois é como o abismo do Arcano que é aberto secreto Lugar de Silêncio.

8. Tu chegaste aqui, Ó meu profeta, por graves caminhos. Tu comeste do excremento dos Abomináveis; tu te prostraste diante do Bode e do Crocodilo; os homens maus fizeram de ti um joguete; tu vagaste como uma rameira pintada, sedutora com doces perfumes e pintura chinesa, pelas ruas; tu escureceste os cantos dos teus olhos com Kohl; tu tingiste teus lábios de vermelho; tu emplastaste tuas bochechas com esmaltes de marfim. Tu bancaste a desavergonhada em todo portão e cada beco de grande cidade. Os homens da cidade te seguiram desejosos de te abusar e te bater. Eles mastigaram as douradas lantejoulas de fino pós com as quais tu adornaste tua carne pintada com seus açoites; tu sofreste coisas indizíveis.

9. Mas Eu queimei dentro de ti como uma pura chama sem óleo. À meia-noite Eu brilhei mais do que a lua; durante o dia Eu excedi completamente o sol; nos atalhos pouco trilhados do teu ser Eu flamejei, e desfiz a ilusão.

10. Portanto tu és completamente puro diante de Mim; portanto tu és Minha virgem eternamente.

11. Portanto, Eu te amo com excedente amor; portanto aqueles que te desprezam te adorarão.

12. Tu serás amorável e piedoso para com eles; tu os curarás do mal inominável.

13. Eles mudarão ao serem destruídos, mesmo como duas estrelas escuras que se chocam no abismo e esbraseiam num incêndio infinito.

14. Durante tudo isso Adonai transpassou meu ser com sua espada que tem quatro lâminas; a lâmina do raio, a lâmina do Pilone, a lâmina da serpente, a lâmina do Falo.

15. Também, ele me ensinou a santa indizível palavra Ararita, de forma que eu derreti o ouro sêxtuplo em um único ponto invisível, do qual nada se pode dizer.

16. Pois o Magistério desta Opus é um magistério secreto, e o sinal do mestre nisso é um certo anel de lápis-lazúli com o nome do meu mestre, que sou eu, e o Olho no Meio.

17. Também Ele falou e disse: Isto é um sinal secreto, e tu não o revelarás ao profano, nem ao neófito, nem ao zelador, nem ao prático, nem ao filósofo, nem ao adepto menor, nem ao adepto maior.

18. Mas ao adepto exempto tu te revelarás se tiveres necessidade dele para as operações menores de tua arte.

19. Aceita a adoração da gente tola a quem odeias. O Fogo não é conspurcado pelos altares dos Ghebers, nem é a Lua contaminada pelo incenso daqueles que adoram a Rainha da Noite.

20. Tu viverás entre o povo como um diamante preciso entre diamantes nublados, e cristais, e pedaços de vidro. Somente o olho do mercador justo te contemplará, e mergulhando sua mão te escolherá e te glorificará diante dos homens.

21. Mas tu não ligarás a nada disto. Tu serás sempre o coração, e Eu a serpente Me apertarei em volta tua. Meus anéis nunca se relaxarão através dos aeons. Nem mudança nem sofrimento nem insubstancialidade te terão; pois tu passaste além de todos estes.

22. Mesmo como o diamante brilhará rubro para a rosa e verde para a folha da roseira; assim tu permanecerás àparte das Impressões.

23. Eu sou tu, e o Pilar está estabelecido no vazio.

24. Também tu estás além das estabilidades do Ente e da Consciência e da Bemaventurança; pois Eu sou tu, e o Pilar está estabelecido no Vazio.

25. Também tu discursarás sobre estas coisas ao homem que as escreve, e ele partilhará delas como um sacramento; pois Eu que sou tu sou ele, e o Pilar está estabelecido no vazio.

26. Da Coroa ao Abismo, assim vai ele único e ereto. Também a esfera ilimitada resplandecerá com o seu brilho.

27. Tu te regozijarás nas poças de água adorável; tu enfeitarás tuas donzelas com pérolas de fecundidade; tu acenderás flama como línguas lambentes de licor dos Deuses entre as poças.

28. Também, tu converterás o compassante ar nos ventos de água pálida, tu transmutarás a terra em um abismo azul de vinho.

29. Rútilos são os coriscos de rubi e ouro que ali chispam; uma gota intoxicará o Senhor dos Deuses meu servo.

30. Também, Adonai falou a V.V.V.V.V., dizendo: Ó meu pequenino, meu terno, meu pequenino amoroso, minha gazela, meu lindo, meu menino, enchamos o pilar do Infinito com um infinito beijo!

31. De modo que o estável foi sacudido e o instável se aquietou.

32. Aqueles que viram isto gritaram com um formidável medo: O fim das coisas chegou.

33. E assim foi.

34. Também, eu estive na visão espiritual e contemplei uma pompa parricida de ateístas conjugados de dois em dois no êxtase superno das estrelas. Eles riam e se regozijavam extremamente, estando vestidos em robes de púrpura e embriagados com vinho púrpura, e sua alma inteira era uma só purpúrea flama-flor de santidade.

35. Eles não viam Deus; eles não viam a Imagem de Deus; portanto eles estavam erguidos ao Palácio do Esplendor Inefável. Uma espada afiada golpeava diante deles, e o verme Esperança retorceu-se nas vascas da morte sob os seus pés.

36. Mesmo quando a raptura deles despedaçou a Esperança visível, assim também o Medo Invisível fugiu correndo e não mais foi.

37. Ó vós que estais além de Aormuzdi e Ahrimanes! Abençoados sois através das idades.

38. Eles fizeram uma foice da Dúvida, e colheram as flores da Fé para suas grinaldas.

39. Eles fizeram uma lança do Êxtase, e atravessaram o velho dragão que estava sentado sobre a água estagnada.

40. Então as fontes frescas foram libertadas, para que a gente sedenta pudesse estar à vontade.

41. E de novo eu fui arrebatado à presença de meu Senhor Adonai, e o conhecimento e Conversação do Santo, o Anjo que me Guarda.

42. Ó Santo Exaltado, Ó Senhor além do ser, Ó Imagem Auto-Luminosa do Nada Inimaginável, Ó meu querido, meu belo, vem Tu e segue-me.

43. Adonai, divino Adonai, lá Adonai inicia refulgente deleite! Assim eu escondi o nome do nome d’Ela que inspira minha raptura, o odor de cujo corpo confunde a alma, a luz de cuja alma rebaixa este corpo às bestas.

44. Eu suguei o sangue com meus lábios; eu sequei Sua beleza de sustento. Eu A rebaixei diante de mim, eu A amestrei, eu A possuí, e a vida d’Ela está em mim. No sangue d’Ela eu inscrevo os enigmas secretos da Esfinge dos Deuses, que nenhum compreenderá – salvo apenas os puros e voluptuosos, os castos e obscenos, os andróginos e as ginandras que passaram além das barras da prisão que o velho Lodo de Khem estabeleceu nos Portões de Amennti.

45. Ó minha adorável, minha deliciosa, a noite inteira eu verterei a libação nos Teus altares; a noite inteira eu queimarei o sacrifício de sangue; a noite inteira eu balançarei o turíbulo do meu deleite diante de Ti, e o fervor das orações intoxicará Tuas narinas.

46. Ó Tu que vieste da terra do Elefante, cingido com a pele do tigre, e engrinaldado com o lotus do espírito, inebria Tu a minha vida com Tua loucura, para que Ela pule quando eu passe.

47. Comanda Tuas moças que Te seguem a que nos faças uma cama de flores imortais, para que ali tomemos nosso prazer. Comanda Teus sátiros a que amontoem espinhos entre as flores, para que ali tomemos nossa dor. Que o prazer e a dor sejam misturados em uma suprema oferta ao Senhor Adonai!

48. Também, eu ouvi a voz de Adonai o Senhor o desejável sobre aquilo que está além.

49. Que os habitantes de Tebas e seus templos não boquejem sempre dos Pilares de Hércules e o Oceano do Oeste. Não é o Nilo uma água bela?

50. Que o sacerdote de Isis não descubra a nudez de Nuit, pois todo passo é uma morte e um nascimento. O sacerdote de Isis levantou o véu de Isis, e foi morto pelos beijos da sua boca. Então foi ele o sacerdote de Nuit, e bebeu do leite das estrelas.

51. Que o fracasso e a dor não desanimem os adorantes. As fundações da pirâmide foram talhadas da rocha viva antes do pôr-do-sol; chorou o rei na madrugada porque a coroa da pirâmide ainda não havia sido cortada da pedreira na terra distante?

52. Houve também um beija-flor que falou ao cerastes de chifres, e rogou-lhe por veneno. E a grande cobra de Khem o Santo, a real serpente Ureus, respondeu-lhe e disse:

53. Eu naveguei sobre o céu de Nu no carro chamado Milhões-de-Anos, e não vi nenhuma criatura sobre Seb que fosse minha presa igual. O veneno da minha presa é a herança de meu pai e do pai de meu pai; e como o darei a ti? Vive tu e teus filhos como eu e meus pais temos vivido, mesmo durante cem milhões de gerações, e pode ser que a misericórdia dos Poderosos confira sobre teus filhos uma gota do veneno antigo.

54. Então o beija-flor afligiu-se em seu espírito, e voou por entre as flores, e foi como se nada tivesse sido dito entre eles. No entanto daí a pouco uma serpente golpeou e ele morreu.

55. Mas um Íbis que meditava sobre a margem de Nilo o lindo deus ouviu e escutou. E ele abandonou seus hábitos de Íbis e tornou-se como uma serpente, dizendo Talvez em cem milhões de milhões de gerações dos meus filhos eles conseguirão uma gota do veneno da presa do Exaltado.

56. E vede! Antes que a lua enchesse três vezes ele virou uma serpente Ureus, e o veneno da presa foi estabelecida nele e sua semente mesmo para sempre e para sempre.

57. Ó tu Serpente Apep, meu Senhor Adonai, é um grão do tempo mais mínimo, esta viagem pela eternidade, e à Tua vista as marcas são de lindo mármore branco intocado pela ferramenta do gravador. Portanto Tu és meu, mesmo agora e para sempre e para sempre mais. Amém.

58. Além disto, eu ouvi a voz de Adonai: Sela o livro do Coração e da Serpente; no número cinco e sessenta sela tu o santo livro.

Como ouro fino que é batido em um diadema para a linda rainha de Faraó, como grandes pedras que são cimentadas juntas na Pirâmide da cerimônia da Morte de Asar, assim liga tu as palavras e os atos, de forma que em tudo há um só Pensamento de Mim Adonai teu deleite.

59. E eu respondi e disse: Está feito mesmo de acordo com a Tua palavra. E foi feito. E aqueles que leram o livro e debateram sobre ele passaram à terra desolada das Palavras Estéreis. E aqueles que selaram o livro no seu sangue foram os escolhidos de Adonai, e o Pensamento de Adonai era uma Palavra e um Ato; e eles habitaram na terra que os viajantes longínquos chamam Nada.

60. Ó terra além do mel e das espécies e toda perfeição! Eu viverei ali com meu Senhor para sempre.

61. E o Senhor Adonai deleita-Se em mim, e eu porto a Taça da Sua alegria à gente cansada da velha terra cinzenta.

62. Aqueles que dela bebem são atacados de aflição; a abominação tem poder sobre eles, e seu tormento é como a grossa fumaça negra da habitação maligna.

63. Mas os escolhidos beberam dela, e tornaram-se mesmo como meu Senhor, meu lindo, meu desejável. Não existe nenhum vinho como este vinho.

64. Eles estão reunidos em um coração luminoso, como Ra que reuniu suas nuvens em volta Sua no poente num flamejante mar de alegria; e a serpente que é a coroa de Ra os cinge com o cinturão dourado dos beijos mortais.

65. Assim também é o fim do livro, e o Senhor Adonai o rodeia todo como um Raio, um Pilone e uma Cobra e um Falo; e no meio Ele é como a Mulher que esguicha o leite das estrelas de seus seios; sim, o leite das estrelas de seus seios.


Traduzido por Marcelo Ramos Motta nos anos 70.

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