Minhas Relações com a Maçonaria

Os questionamentos do autor e como ele reformulou o sistema.

.
Leia em 40 min.
Banner

Minhas Relações com a Maçonaria[1]

Acho apropriado dedicar um capítulo inteiro ao assunto de minhas relações com a maçonaria. Eu mencionei que havia obtido o grau 33 na Cidade do México[2]. Ele não acrescentou nada de muita importância ao meu conhecimento dos mistérios; mas eu tinha ouvido falar que a maçonaria era uma fraternidade universal e esperava ser recebido por todos os irmãos em todo o mundo.

Alguns meses depois, fiquei consideravelmente chocado quando, por acaso ao discutir o assunto com algum apostador falido ou agitador de casa de esporte – esqueci quem exatamente – descobri que ele não iria me “reconhecer”! Havia alguma diferença trivial em um dos apertos de mão ou alguma outra formalidade totalmente sem sentido. Um desprezo incomensurável por toda a pantomina me fez sorrir zombeteiramente. Eu resolvi a questão (como já relatado), tendo-me iniciado na Loja ‘Anglo-Saxã’ N° 343 em Paris. O que me levou a isso eu já contei em outro lugar e agora cito aqui[3]:

“Por acaso eu sabia que o capelão da Embaixada Britânica em Z… era Ex-Grande Organista Provincial de uma certa cidade inglesa. Ele me indicou, encontrou um segundo indicador[4] e eu fui devidamente iniciado, elevado e exaltado[5]. Fui calorosamente recebido por inúmeros visitantes ingleses e americanos em nossa Loja; pois Z– é uma cidade muito grande.

Retornei à Inglaterra algum tempo depois, após “passar a cadeira”[6] em minha Loja e, desejando ingressar no Arco Real, visitei o venerável secretário deles.

Apresentei minhas credenciais. ‘Ó Tu Grande Arquiteto do Universo!’, o velho soluçou de raiva: ‘Por que não destrói este impostor imprudente com o Teu fogo do céu? Senhor, vá embora! Você não é um maçom de forma alguma! Como todo mundo sabe, as pessoas em Z– são ateus e vivem com as esposas de outros homens”.

Achei isso um pouco duro demais em relação ao meu Reverenciado Padrinho, meu indicador; e observei que, é claro, todo visitante inglês ou americano de nossa Loja em Z– corria o risco de expulsão instantânea e irrevogável ao ser detectado. Portanto, eu não disse nada, mas caminhei até outra sala no Saguão da Maçonaria, passando por cima da cabeça dele e me sentei como Mestre Instalado em uma das Lojas mais antigas e eminentes de Londres!

Além disso, observe carinhosamente que quando cada um daqueles visitantes perversos retornou às suas próprias Lojas após o crime, eles automaticamente excomungaram a totalidade dessas Lojas; e como a visitação é muito comum, pode-se duvidar de que haja, comprovadamente, um único “maçom justo, legítimo e regular” vivo na terra[7]!

No final de 1910, graças às minhas relações com o Grande Hierofante do 97° do Rito de Memphis (cargo exercido após sua morte pelo Dr. Gérard Encausse[8], Theodor Reuss[9] e eu), eu era agora uma espécie de inspetor-geral universal de vários ritos, encarregados da missão secreta de relatar a possibilidade de reconstruir todo o edifício, que foi universalmente reconhecido por todos os seus membros mais inteligentes como ameaçado do mais grave perigo.

Devo explicar brevemente as circunstâncias.

a) Existe uma grande multiplicidade de ritos.

b) Existe uma grande multiplicidade de jurisdições.

c) Mesmo quando o rito e a jurisdição são idênticos, existem certos ressentimentos nacionais e outras causas de divergência.

d) O progresso do feminismo ameaçou o Ofício. (O significado do 3° tendo sido totalmente perdido, os maçons ortodoxos são incapazes de explicar por que as mulheres não podem se tornar Mestres Maçons. Elas não podem. Eu, o mais feroz dos feministas, digo isso[10].) A Co-Maçonaria, sob a Sra. Besant[11], cuja vaidade histérica a compele a reivindicar qualquer título sonoro que ela por acaso ouça, Le Droit Humain[12] na França, e movimentos semelhantes em quase todos os lugares, estavam levando a maçonaria ao desprezo por sua pura tolice. Eles eram obviamente tão bons quanto os verdadeiros maçons.

e) A história da maçonaria tornou-se mais obscura à medida que a luz da pesquisa recaiu sobre o assunto. O significado da maçonaria ou foi completamente esquecido ou nunca existiu, exceto na medida em que qualquer rito em particular pode ser um disfarce para intriga política ou pior ainda.

f) Tornou-se impossível para as pessoas que vivem em condições modernas dedicar tempo adequado até mesmo para aprender as mais simples formalidades.

g) A completa falta de compreensão, que agora é praticamente universal, fez os homens questionarem: por que, em nome de Deus, deviam acalentar tais pedantismos pretensiosos?

Algumas anedotas ilustrarão a situação para o não-maçom médio.

1. Um certo rito na Inglaterra deriva sua autoridade de um documento que é notoriamente tão falso quanto Pigott[13] poderia ter escrito. Os chefes dessa gangue queriam romper, da maneira mais desavergonhada e malandra, um acordo feito alguns anos antes com John Yarker. Yarker apontou que a única autoridade real deles derivava do acordo firmado consigo, já que ele, trabalhando sob uma patente genuína, havia “resolvido” sua violação com a antiguidade, reconhecendo-os. Eles responderam que confiavam no documento falsificado. Ele disse que arrancaria o solo de seus pés publicando as provas de que sua patente não tinha valor. Em seguida, disseram que sabiam tão bem quanto ele que o documento era falsificado; mas eles não fizeram caso, porque haviam induzido o Príncipe de Gales a se juntar a eles!

2. Vários dos principais ritos da maçonaria inglesa não são reconhecidos uns pelos outros, e alguns deles nem mesmo são tolerados (ou seja, se um membro do rito A ingressar em B, ou mesmo discutir a maçonaria com um membro de B, ele fica sujeito a expulsão imediata); no entanto, um certo duque da realeza era na verdade o chefe de dois ritos incompatíveis.

3. Não há uniformidade no que diz respeito à tolerância. Desta forma, às vezes A e B se reconhecem, mas, enquanto A reconhece C, B não reconhece C, de modo que um membro de B e um membro de C podem se encontrar em uma Loja de A e, assim, excomungarem-se automaticamente.

4. Os maçons do ofício inglês não permitem que motivos religiosos, políticos ou comerciais entrem na maçonaria, mas mantêm relacionamento oficial com certas entidades maçônicas cuja única razão de ser é o anticlericalismo, a intriga política ou o benefício comercial mútuo.

5. O Rito Escocês, os graus de Cavaleiro Templário, Cavaleiro de Malta e outros na Inglaterra são definitivamente cristãos, por exemplo, o objetivo de um grau é a identificação do profeta, sacerdote e rei, três em um, a Trindade do Real Arco, com Cristo; e no grau Rose Croix, Cristo é reconhecido como a “pedra angular” do simbolismo anterior. Mas na América os elementos cristãos foram removidos para que judeus ricos possam alcançar o topo da maçonaria[14].

6. Certa vez, participei de uma Loja cujo Mestre era um dos dois banqueiros locais. Ele usou sua influência para conseguir negócios para seu banco. O outro banqueiro prontamente obteve uma patente de algum órgão “clandestino” e iniciou uma oposição. Nesse distrito, as Lojas clandestinas superavam em muito as ortodoxas.

7. Visitei Oficinas e Capítulos do Real Arco em Acordo Fraternal na Inglaterra, onde a “elevação” e a “exaltação” eram realizadas usando camisas de manga, enquanto charutos eram fumados e as pernas convenientemente erguidas em outras cadeiras, e empregadas apenas para chutar o candidato enquanto ele circulava.

8. Em uma cerimônia na América, onde os oficiais eram maçons do 33° reconhecidos pelo Rito Escocês ortodoxo na Inglaterra, havia dois candidatos, ambos judeus. Eles foram encapuzados e introduzidos em extremidades opostas de um tubo que foram instruídos a atravessar. No meio do tubo havia uma porca viva.

9. Em Detroit, um membro do 32° foi ameaçado de expulsão por certos membros do 33°, a menos que seguisse as opiniões deles quanto à sua vida doméstica. O assunto era um tema no qual eles não tinham o direito de se intrometer em nenhuma teoria concebível das relações humanas.

10. Em algumas partes da América, pressão financeira e social é exercida sobre pessoas para obrigá-las a tomar o 32°! É comum boicotar homens no comércio ou nos negócios por se recusarem a dar vantagens injustas aos seus colegas maçons.

11. Um maçom do 33°, de muitos anos de atividade, ocupando alto cargo no Grande Conselho Supremo, ao qual se afiliou para obter o conhecimento secreto tradicional, disse-me que nunca havia aprendido nada de nenhum dos graus. A única peculiaridade neste caso é que ele deveria ter esperado algo desse tipo — ou desejado!

12. Quase sem exceção, os “segredos” da Maçonaria são estritamente arbitrários. Deixe-me explicar o que quero dizer. Se eu recebo a combinação de um cofre, espero ser capaz de abri-lo usando a senha. Se eu conseguir abri-lo, isso prova que a senha está correta. Os segredos da maçonaria não revelam mistérios; eles não fazem o que professam fazer; são convenções sem sentido.

13. Com raras exceções, os maçons não fazem nenhuma tentativa de cumprir seus juramentos no que diz respeito aos princípios morais inculcados. Por exemplo, o Mestre Maçom jura respeitar a castidade da esposa, irmã e filha de seu irmão. Aqueles que fazem isso provavelmente respeitam a castidade de qualquer mulher, independentemente das conexões masculinas delas.

14. Os maçons em geral, mas especialmente na Inglaterra e na América, se ressentem de qualquer tentativa de levar a sério a maçonaria. Posso citar um ensaio de um Ex-Grão-Mestre[15]. Ele apareceu na English Review de agosto de 1922. Ele estabelece a visão iniciada. A questão é: Por que um homem se torna um maçom?

“Devemos eliminar os motivos humanos mais mesquinhos primeiro: amor à vaidade, ao mistério, à exibição, ao faz-de-conta; mas o homem comum na Inglaterra torna-se Maçom por um motivo tão sério quanto ele se torna um membro da Igreja ou um teosofista; e o homem comum geralmente fica abominavelmente desiludido.

Ele pode ingressar na Arte com alguma ideia de irmandade, porque é uma tradição em sua família fazê-lo, ou porque espera encontrar no Segredo dos Mistérios algo que não encontra em nenhuma das formas exotéricas de religião.

Como é que uma única Ordem satisfaz — em maior ou menor grau — aspirações tão diversas?

Por fim, somos confrontados com o problema fundamental do historiador maçônico — a origem de todo o negócio.

Sem qualquer hesitação, pode-se confessar que nada se sabe com certeza sobre esta questão crítica. É verdade, de fato, que as Lojas Maçônicas na Inglaterra eram originalmente clubes hanoverianos, assim como as Lojas escocesas eram clubes jacobitas e as Lojas egípcias de Cagliostro eram clubes revolucionários.

Mas isso não explica a Origem da Maçonaria assim como o fato de que ‘Muitos espanhóis são católicos romanos’ não explica por que o padre diz e faz certas coisas em vez de outras na missa.

Agora eis a grande questão: podemos admitir todas as afirmações do Sr. Yarker, e mais, quanto à conexão dos ritos maçônicos e quase maçônicos, com os velhos costumes de iniciar pessoas nas Guildas Comerciais; mas por que tal assunto deveria ser cercado por uma vigilância tão severa, e por que o Sacramento Central deveria partilhar de um caráter tão terrível e sobrenatural?

Como a Maçonaria foi ‘exposta’ a cada poucos minutos durante o último século, e como qualquer leigo pode entrar em uma loja maçônica e comprar os Rituais completos por algumas moedas, as únicas omissões sendo sem importância para o nosso presente ponto, seria imbecil fingir que a natureza das cerimônias da Maçonaria é, em qualquer sentido, um ‘mistério’.

Portanto, não há nenhuma razão para evitar a declaração clara de que, para qualquer um que entende os rudimentos do Simbolismo, o Grau de Mestre é idêntico à Missa. Esta é de fato a verdadeira razão para o anátema papal; pois a Maçonaria afirma que cada homem é o próprio Cristo vivo, morto e ressuscitado em sua própria pessoa.

É verdade que na Inglaterra nem mesmo um maçom a cada dez mil está ciente desse fato; mas ele só precisa se lembrar de sua ‘exaltação’ para compreender a verdade fundamental da declaração.

Bem, os católicos e maçons podem ficar igualmente chocados com a estupenda blasfêmia que está implícita, como eles pensam ignorantemente, não sabendo da matéria e da substância do Self Supremo, cada um por si mesmo nada menos do que Vero Deus de Vero Deus!

Mas suponha que a sublimidade dessa concepção seja aceita, a identidade admitida: que onda repentina e avassaladora do passado sopra em sua beatitude? O que, senão as palavras com as quais Freud conclui Totem e Tabu: No começo havia o ato!

Pois o ‘sacrifício do Inocente’ celebrado igualmente na Loja e na Catedral é este idêntico Assassinato do Mestre dos Companheiros da Arte, que é do Pai por seus Filhos, quando o sistema-macaco da ‘horda do Pai’ foi substituído pelo sistema tribal que se desenvolveu no ‘clã militar’!”

Essas afirmações são incontestáveis, mas pode-se duvidar se há quinhentos maçons de todos os ritos reunidos que concordariam com eles, ou mesmo se absteriam de objetar a eles tão amargamente quanto o homem médio na época vitoriana não gosta de ser informado de seu parentesco com os outros primatas, e como seus filhos e netos ficam irritados quando a ciência demonstra que suas religiões são sobreviventes de superstições selvagens e seus sonhos determinados por instintos bestiais.

15. O V.M. de uma Loja Inglesa exclusiva disse-me que tinha decorado a sua fala repetindo-a à sua esposa na cama, justificando esta aparente violação de seu juramento ao comentar, com uma risada, que os segredos se perderam e que, portanto, não poderia traí-los por mais que quisesse.

Diante dessas e de outras dificuldades semelhantes, aceitei de bom grado a tarefa imposta a mim pelos mais inteligentes maçons do mundo, que estavam unidos por sua sinceridade, compreensão e boa vontade, embora divididos por disputas sectárias sobre jurisdição.

Meu primeiro objetivo foi responder à pergunta: “O que é a Maçonaria?” Compilei os rituais e seus segredos, da mesma forma que fiz com as religiões do mundo, com suas bases mágicas e místicas. Como no outro caso, decidi negligenciar o que realmente era. Seria absurdo julgar o protestantismo pelos atos políticos de Henrique VIII. Da mesma forma, não poderia julgar a maçonaria pelo fato de ter denunciado a Concordata. Propus definir a maçonaria como um sistema de comunicação da verdade — religiosa, filosófica, mágica e mística; e indicação dos meios adequados para desenvolver a faculdade humana por meio de uma linguagem peculiar cujo alfabeto é o simbolismo do ritual. A fraternidade universal e os princípios morais superiores, independentes de preconceitos pessoais, raciais, climáticos e outros, naturalmente formaram um pano de fundo que asseguraria estabilidade individual e social para todos.

Então surgiu a questão: “Quais verdades devem ser comunicadas e através de que meios devem ser promulgadas? Meu primeiro objetivo foi eliminar das centenas de rituais à minha disposição todos os elementos exotéricos. Muitos graus contêm afirmações (geralmente imprecisas) de assuntos bem conhecidos pelos colegiais modernos, embora possam ter sido importantes quando os rituais foram escritos. Posso mencionar um grau em que o candidato é portentosamente informado de que existem outras religiões no mundo além do Cristianismo e que há alguma verdade em todas elas. Em muitos casos, seus princípios são explicados com erro flagrante. A descrição de Buda como um deus é típica. Não vi razão para sobrecarregar o sistema com informações supérfluas.

Outro ponto essencial era reduzir a pesada massa de material a um sistema compacto e coerente. Achei que tudo o que vale a pena preservar poderia e deveria ser apresentado em não mais do que uma dúzia de cerimônias, e que deveria ser possível que qualquer oficial memorizasse sua parte nas horas de lazer à sua disposição no máximo em um mês.

Os assim chamados rosa-cruzes do século XVIII da Áustria já haviam se empenhado em unir vários ramos da maçonaria continental e suas superestruturas; no século XIX, principalmente devido à energia e habilidade de um rico mestre do ferro chamado Carl Kellner[16], uma reconstrução e consolidação da verdade tradicional foi tentada. Uma organização foi formada sob o nome de O.T.O. (Ordo Templi Orientis) que pretendia alcançar este resultado. Pretendia comunicar os segredos, não apenas da Maçonaria (com seus Ritos de 3°, 7°, 33°, 90°, 97°), mas da Igreja Católica Gnóstica, dos Martinistas, dos Sat Bhai, dos Rosacruzes, dos Cavaleiros do Espírito Santo e assim por diante, em nove graus com um décimo de um caráter honorário para distinguir o “Supremo e Santo Rei” da Ordem em cada país onde fosse estabelecida. O chefe desses reis é o O.H.O. (Outer Head of the Order «Chefe Externo da Ordem» ou Frater Superior), que é um autocrata absoluto. Nessa época, essa posição era ocupada por Theodor Reuss, o Supremo e Santo Rei da Alemanha, que renunciou ao cargo em 1922 em meu favor.

O O.H.O. colocou os rituais desta Ordem à minha disposição. Achei-os de extremo valor quanto ao segredo central, mas, fora isso, muito inferiores. Eles eram dramaticamente inúteis, a prosa em si era desigual, eles careciam de unidade filosófica, suas informações eram incompletas e assistemáticas. Sua ideia geral era, entretanto, do tipo certo; e pude tomá-los como modelo.

Os principais objetos da instrução eram dois. Primeiro era necessário explicar o universo e as relações da vida humana com ele. Em segundo lugar, instruir cada homem sobre a melhor maneira de adaptar sua vida ao cosmos e desenvolver suas faculdades da melhor maneira possível. Consequentemente, construí uma série de rituais, Minerval, Homem, Magista, Mestre-Magista, Magista Perfeito e Iniciado Perfeito, que deveriam ilustrar o curso da vida humana em seu aspecto filosófico mais amplo. Começo mostrando o objeto da alma pura, “Una, individual e eterna”, ao determinar-se a formular-se conscientemente, ou, como posso dizer, a compreender-se.

Ela opta por entrar em relações com o sistema solar. Ela encarna. Eu explico o significado do nascimento e as condições estabelecidas pelo processo. A seguir, mostro como ela pode cumprir melhor seu objetivo na eucaristia da vida. Comunga, por assim dizer, de sua própria divindade em cada ação, mas especialmente por meio do sacramento típico do matrimônio, entendido como a união voluntária de si mesma com cada elemento de seu ambiente. Em seguida, prossigo para o clímax de sua carreira na morte e mostro como este sacramento tanto consagra (ou melhor, coloca seu selo) o procedimento anterior e dá um significado a ele, assim como a contabilidade permite ao comerciante ver as transações de seu ano sob perspectiva.

Na cerimônia seguinte, mostro como o indivíduo, liberado pela morte da obsessão da personalidade, retoma as relações com a verdade do universo. A realidade explode sobre ele em uma chama de luz adorável; ele é capaz de apreciar seu esplendor como não podia antes, já que sua encarnação lhe permitiu estabelecer relações particulares entre os elementos da eternidade.

Finalmente, o ciclo é fechado pela reabsorção de toda individualidade no infinito. Termina em aniquilação absoluta que, como foi mostrado em outras partes deste livro, pode na verdade ser considerada como um equivalente exato para todos os outros termos, seja qual for, ou (postulando a categoria de tempo) como formando o ponto de partida para uma nova aventura do mesmo tipo.

Ficará claro pelo exposto acima que a perfeição filosófica deste sistema de iniciação não deixa nada a desejar. Podemos escrever quod erat dēmōnstrandum[17]. O problema prático permanece. Já decidimos encarnar e nossas certidões de nascimento estão com nossos banqueiros. Não precisamos nos preocupar com esses assuntos e não poderíamos mudá-los mesmo se quiséssemos; a morte, e o que se segue à morte, são igualmente certos e igualmente capazes de cuidar de si mesmos. Nossa única preocupação é a melhor maneira de fazer uso de nossas vidas.

Agora, a O.T.O. está em posse de um segredo supremo. Todo o seu sistema na época em que me tornei um iniciado do Santuário da Gnose do IX° era direcionado a comunicar aos seus membros, por meio de sugestões progressivamente claras, esta instrução de suma importância. Pessoalmente, acredito que se este segredo, que é um segredo científico, fosse perfeitamente compreendido, como não o é mesmo por mim, após mais de doze anos de estudo e experimento quase constantes, não haveria nada que a imaginação humana pudesse conceber que não pudesse ser realizado na prática.

Com isso quero dizer coisas como estas: se fosse desejado ter um elemento de peso atômico seis vezes maior que o do urânio, esse elemento poderia ser produzido. Se fosse desejado conceber um instrumento pelo qual as estrelas ou elétrons mais distantes pudessem ser trazidos ao alcance de cada um de nossos sentidos, esse instrumento poderia ser inventado. Ou que, se quiséssemos desenvolver sentidos pelos quais pudéssemos apreciar todas essas qualidades da matéria que hoje observamos indiretamente por meio de aparelhos, surgisse a estrutura nervosa necessária. Faço essas observações com absoluta confiança, pois mesmo as abordagens insignificantes que fui capaz de fazer em relação aos santuários deste segredo me mostraram que as relações entre os fenômenos são infinitamente mais complexas do que os filósofos mais selvagens jamais imaginaram, e que o antigo provérbio, “Onde há vontade, há um caminho” não precisa de ressalvas.

Não posso deixar de citar o Professor A. S. Eddington, Professor Plumiano de Astronomia e Filosofia Experimental em Cambridge:

“Eis aqui um paradoxo que está além da imaginação de Dean Swift. Gulliver considerava os liliputianos uma raça de anões; e os liliputianos consideravam Gulliver um gigante. Isso é natural. Se os liliputianos tivessem parecido anões para Gulliver e Gulliver tivesse parecido um anão para os liliputianos — mas não! isso é absurdo demais para a ficção e uma ideia que só pode ser encontrada nas páginas sóbrias da ciência.”

As injunções dos sábios, de Pitágoras, Zoroastro e Lao Tsé, ao judeu Cabalista que escreveu o Ritual do Real Arco, e ao esnobe sentimental que compôs os graus do Ofício, ou são direcionadas a indicar as melhores condições para aplicar este segredo ou são um mero desperdício de palavras. Percebendo isso, foi relativamente simples para mim editar a ética e o esoterismo maçônicos. Tive simplesmente de conferir tudo com este único padrão sublime. Portanto, respondi à pergunta “Como um jovem deve endireitar seu caminho?” em uma série de rituais em que o candidato é instruído no valor da discrição, lealdade, independência, veracidade, coragem, autocontrole, indiferença às circunstâncias, imparcialidade, ceticismo e outras virtudes, e ao mesmo tempo auxiliado a descobrir por si só a natureza do segredo, o objetivo apropriado de seu emprego e o melhor meio de assegurar o sucesso em seu uso. O primeiro desses graus é o V°, no qual o segredo é apresentado como um espetáculo; ao mesmo tempo, ele também é instruído nos elementos essenciais da história do mundo, considerados do ponto de vista de seu atual estado de evolução e em sua relação adequada com a sociedade em geral com referência à mesma.

Segue-se o grau de Cavaleiro Filósofo Hermético, no qual sua atitude intelectual e moral é definida mais ainda. No VI°, depois de precisada a sua posição, é-lhe mostrado como se consagrar à Grande Obra particular que veio à terra fazer. No VII°, que é tripartido, ele primeiro aprende o princípio do equilíbrio estendido a todas as ideias morais possíveis; em segundo lugar, a todas as ideias intelectuais possíveis; e, por último, é mostrado como, baseando todas as suas ações nesta rocha inexpugnável da justiça, ele pode dirigir sua vida de modo a empreender sua Grande Obra com a mais plena responsabilidade e em absoluta liberdade de qualquer possibilidade de interferência.

No VIII°, o segredo é mais uma vez manifestado diante dele, mais claramente do que antes; e ele é instruído sobre como treinar a si mesmo para usá-lo por certas práticas preliminares que envolvem o conhecimento de algumas daquelas energias mais sutis que até agora, em sua maior parte, escaparam à observação e ao controle da ciência profana.

No IX°, que nunca é conferido a quem já não o adivinhou a partir de indicações prévias a natureza do segredo, é explicado a ele completamente. As conclusões de experimentos prévios são colocadas a seu serviço. A ideia é que cada novo iniciado continue o trabalho de seu predecessor, para que eventualmente os recursos inesgotáveis do segredo estejam ao alcance do mais jovem iniciado; pois, no momento, somos obrigados a admitir que a reverência supersticiosa que o envolveu em épocas passadas e a complexidade das condições que modificam seu uso nos colocam na mesma posição dos eletricistas de uma geração atrás em relação à sua Ciência. Temos a certeza da imensidão da força à nossa disposição; percebemos a extensão do império que ela nos oferece, mas não compreendemos completamente nem mesmo nossos sucessos e não temos certeza de como proceder para gerar a energia com mais eficiência ou aplicá-la com mais precisão aos nossos propósitos.

O X°, assim como no sistema antigo, é meramente honorário, mas pesquisas recentes sobre os mistérios do IX° me obrigaram a adicionar um XI°, para ilustrar uma ideia científica que foi desenvolvida pelos resultados de experimentos recentes.

Portanto, na O.T.O. reconstituída há seis graus nos quais é transmitida uma concepção abrangente do cosmos e nossa relação com ele, e um número semelhante para lidar com nosso dever para conosco e nossos companheiros, o desenvolvimento de nossas próprias faculdades de toda ordem, e o avanço e benefício geral da humanidade.

Onde quer que a maçonaria e os sistemas aliados contribuam para esses temas, suas informações foram incorporadas de forma a não infringir os privilégios, por mais pueris que pareçam, até então associados à iniciação. Onde eles meramente perpetuam trivialidades, superstições e preconceitos, eles foram negligenciados.

Eu reivindico que meu sistema satisfaz todos os requisitos possíveis da verdadeira maçonaria. Oferece uma base racional para a fraternidade universal e para a religião universal. Apresenta uma afirmação científica que é um resumo de tudo o que se sabe atualmente sobre o universo por meio de um simbolismo simples, mas sublime, artisticamente organizado. Também permite que cada homem descubra por si só o seu destino pessoal, indica as qualidades morais e intelectuais de que necessita para cumpri-lo livremente e, por fim, põe em suas mãos uma arma inimaginavelmente poderosa que pode usar para desenvolver em si todas as faculdades que ele possa precisar em seu trabalho.

Meu rascunho original desses rituais exigiu modificações em vários detalhes à medida em que a pesquisa tornava mais clara, mais profunda e mais ampla a verdade que eles abrangiam; e também, conforme a experiência mostrou, as possibilidades de mal-entendidos, por um lado, e de melhor apresentação, por outro. Um grande progresso prático foi feito até que o trabalho foi suspenso pela eclosão da guerra em 1914.

Uma das minhas dificuldades originais foi restaurar os rituais existentes à perfeição. Ocorreram inúmeras corrupções devido à ignorância do hebraico e problemas semelhantes por parte dos indignos sucessores dos fundadores. Dando um exemplo grosseiro: a palavra Jeheshua, escrita em hebraico no 18° do Rito Escocês, era normalmente escrita com Resh em vez de Vau. Um erro tão brutal é a prova conclusiva de que os modernos Príncipes Soberanos da Rose Croix não atribuem qualquer significado ao nome de Jesus — que eles professam adorar de forma mais inteligente do que o povo, porque representa a descida do Espírito Santo no meio daquele tremendo nome de Deus que só ocorre em seu ritual devido ao seu poder de aniquilar o universo, se pronunciado corretamente[18].

A inteligência do maçom médio pode ser avaliada pela seguinte citação do grau M.R.A.[19]. Estamos no século vinte! —  e tal coisa é solenemente oferecida como instrução para homens adultos!

“Alguns duvidaram de que a Arca fosse capaz de conter dois de cada tipo de criatura, com as provisões necessárias para seu sustento por um ano inteiro; por Noé ter passado tanto tempo e até mais naquela Arca. Mas em uma investigação cuidadosa, descobriu-se que apenas cerca de cem tipos diferentes de bestas, e não duzentos pássaros, são conhecidos, a maior parte deles não são grandes, e muitos extremamente pequenos, e foi dito que todas as criaturas na Arca não ocupariam o espaço de quinhentos cavalos. Mesmo após quatro mil anos, a engenhosidade humana não consegue conceber quaisquer proporções mais bem adaptadas do que a da Arca para o propósito a que se destina. Um comerciante holandês, há duzentos anos, construiu um navio que correspondia em suas respectivas dimensões às da Arca; seu comprimento é de cento e vinte pés, largura de vinte pés, profundidade de doze pés; durante a construção, este navio foi ridicularizado, mas depois foi descoberto que cabia nele um terço a mais e navegava melhor do que qualquer outro navio mercante da época.

Assim, temos uma prova colateral de maneira não-desprezível de que o Espírito de Deus, de quem vem todo o entendimento, dirigiu Noé daquela maneira.”

Novamente, o segredo central de um Mestre Maçom é uma Palavra que se perdeu. Esse fato induziu várias pessoas engenhosas a inventar cerimônias nas quais ela é encontrada (de uma maneira mais ou menos notável) em meio às aclamações da população reunida e proclamada com pompa à multidão em adoração. A única desvantagem é que essas Palavras não funcionam. Aparentemente, nunca ocorreu a esses artesãos ingênuos testá-la. É inútil rotular um tijolo como “Esta é a pedra angular do Arco Real”, a menos que o arco permaneça firme quando ele for colocado.

Muito da maçonaria está ligado à Cabala hebraica. Meu conhecimento desta ciência me permitiu analisar as Palavras Secretas dos vários graus. Logo me descobri capaz de corrigir muitas das corrupções que haviam se infiltrado, e não havia dúvida de que minhas conclusões não eram meras conjecturas, uma vez que traziam sentido coerente ao absurdo desconexo. (Naturalmente, estou impossibilitado de publicar qualquer uma dessas descobertas; mas estou sempre pronto para comunicá-las aos Irmãos inquiridores. Quando o faço, meus argumentos são considerados persuasivos e convincentes.)

Eu suponho que alcancei o ápice do sucesso ao restaurar a Palavra Secreta do Real Arco. Nesse caso, a tradição preservou a palavra quase intacta. Foi necessária apenas uma pequena mudança para revelá-la em toda a sua realeza radiante. E, no entanto, meu sucesso apenas me deixou com uma sensação de maior aborrecimento por meu completo fracasso em lidar com o abjeto anticlímax do III° com suas lamentáveis desculpas por ter feito o candidato de tolo, suas promessas pretensiosas e seu desempenho lamentável.

Enquanto eu estava deitado uma noite sem dormir, em meditação, amargurado e ansioso com este mistério, fui repentinamente apunhalado na alma por uma sugestão tão simples, mas tão estupenda, que fui lançado em um silêncio estremecedor por não sei quanto tempo antes que eu pudesse me forçar a ligar a lâmpada e pegar meu caderno. Logo na primeira tentativa, a solução surgiu como a luz do sol em meu espírito. Fiquei toda aquela noite em êxtase de admiração e adoração. Eu havia descoberto a Palavra Perdida!

A linha de crítica óbvia é esta: Afinal, como você pode ter certeza de que a Palavra que você descobriu realmente é a Palavra perdida?

Isso pode ficar claro por uma ilustração. Em um avental do 18° encontro IHShRH em caracteres hebraicos «יהשרה». Descubro que essa palavra não significa nada; o contexto sugere que pode ser um erro para IHShVH «יהשוה», Yeheshuah ou Jesus; mas como sei que esta palavra e não outra tem o poder de fazer o homem triunfar sobre a matéria, de harmonizar e santificar as forças cegas do universo? Desta forma: eu sei que IHVH «יהוה» representa os quatro elementos; que 4 é um número simbolizando a limitação. É o quadrado de 2, o único número que não pode ser formado harmoniosamente em um “Quadrado Mágico”. (Dois representa a díade, o Erro original.) Eu sei também que a letra Shin «ש» representa uma essência trina, o fogo do Espírito, e em particular Ruach Elohim «רוח אלהים», o Espírito dos Deuses, porque essas duas palavras têm o valor numérico de 300, que também é o da própria Shin.

Assim, interpreto a palavra Yeheshuah como a descida do Espírito Santo nas forças equilibradas da matéria, e o nome Yeheshuah é, portanto, o de um homem tornado divino pela descida do Espírito Santo em seu coração, exatamente como o nome George significa agricultor. Este método exegético não é uma invenção moderna. Quando Jeová selecionou uma família para ser o pai de Israel, ele mudou o nome ABRM «אברם» (243) Pai da Elevação para ABRHM «אברהם» (248) Pai de uma Multidão; e a título de compensação mudou ShRI «שרי» (510) Nobreza para ShRH «שרה» (505), Princesa. Existem várias outras histórias semelhantes na Bíblia. Uma mudança de nome é considerada uma indicação de uma mudança de natureza. Além disso, cada nome não é arbitrário; é uma descrição definitiva da natureza do objeto ao qual está ligada. Por um processo semelhante, estou certo dos meus resultados quanto à questão da Palavra Perdida, pois a Palavra Encontrada atende às condições da situação; e, além disso, lança luz sobre o obscuro simbolismo de todo o ritual.

Portanto, estou em posição de fazer pelas seções conflitantes da maçonaria o que os alexandrinos fizeram pelas do paganismo. Infelizmente, os homens que me pediram para realizar essa tarefa estão mortos ou velhos demais para tomar medidas ativas e até agora não há ninguém para substituí-los. Pior ainda, a grosseria geral dos modos que sempre segue uma grande guerra amargurou as jurisdições rivais e privou a maçonaria totalmente daqueles nobres entusiasmos com relação aos grandes problemas da sociedade que ainda agitavam até mesmo suas seções mais degeneradas há meio século, quando Hargrave Jennings, Godfrey Higgins, Gerald Massey, Kenneth MacKenzie, John Yarker, Theodor Reuss, Wynn Westcott e outros ainda buscavam a verdade em suas tradições e se esforçavam para erguer um templo de Concórdia no qual homens de todos os credos e raças pudessem adorar em amizade.

Tentei tornar o apelo do novo sistema universal combinando-o com um sistema prático de relações fraternas e benefício mútuo. Formulei um esquema de seguro contra todos os acidentes da vida; os detalhes são fornecidos nas Instruções e Ensaios Oficiais publicados em The Equinox, Vol. III, Nº 1[20]; e para dar o exemplo, transferi toda a minha propriedade para os curadores da Ordem. A ideia geral é esta; que todo homem deve desfrutar de suas posses e de todos os frutos de seu trabalho exatamente como faz sob seu sistema individualista original, mas o agrupamento de tais posses por economia de administração, etc., deixa um excedente que pode ser usado para os propósitos gerais da Ordem. Desejei apresentar os benefícios da cooperação sem interferir no caráter absoluto individual dos elementos da combinação.

O plano era perfeitamente promissor. As despesas de funcionamento da Ordem eram quase insignificantes. Pudemos, portanto, permitir que os membros fizessem empréstimos em caso de necessidade até o valor total de suas taxas e mensalidades; dar a eles um mês de férias por menos do que uma semana teria custado a um estranho; salvá-los de todas as despesas médicas, legais e semelhantes; resolver o problema do aluguel e assim por diante. Oferecemos todas as vantagens fabulosas do socialismo, sem de forma alguma interferir na dignidade e independência individuais.

Não posso ser culpado pela catástrofe que suspendeu temporariamente o trabalho. Durante a guerra, o Grande Tesoureiro ficou louco. Seu caráter mudou completamente. Ele desenvolveu uma forma de mania de perseguição, na qual seus melhores e mais antigos amigos pareciam estar conspirando contra ele. Com a ajuda de um advogado desonesto, ele alienou toda a propriedade da Ordem com extraordinária eficácia. Na verdade, ele destruiu grande parte da biblioteca; ele falsificou os números; e depois de opor todos os tipos de atrasos à demanda por sua contabilidade, ele de fato fugiu com minhas próprias roupas de baixo. Meus únicos recursos restantes eram cerca de vinte mil libras em livros, nos quais ele não podia tocar sem pagar a quantia de trezentas e cinquenta libras ou mais, que era devida às pessoas com quem estavam guardados. Paguei esta quantia em 1921 e os armazéns recusaram-se a entregar os livros ou a pagar-me o saldo devido de acordo com sua própria afirmação. Eles confiavam em poder roubá-los, pois souberam que eu não conseguiria encontrar o dinheiro necessário para processá-los.

Assim, depois da guerra, eu me vi completamente sem nenhum tostão e sem roupas, exceto por alguns dos meus trajes das Terras Altas, que foram enviados para um alfaiate consertar pouco antes do início das hostilidades e permaneceram armazenadas em segurança. Não me arrependo desses eventos, exceto pelo fato de sofrer pela calamidade de meu Irmão. Acredito que faz parte do plano dos deuses que eu seja compelido a enfrentar o mundo inteiramente sem outros recursos que não sejam morais. Certamente esse é um teste supremo da força essencial de qualquer proposta econômica.

O sistema justificou-se de forma surpreendente, mesmo nessas dificuldades inéditas; consegui estabelecer um ramo da Ordem com todo o tempo livre para trabalhar sob alta pressão em seus próprios objetivos, sem atrito interno ou colapso econômico, embora a receita seja derivada exclusivamente de fortunas ocasionais. Se pudéssemos levar a cabo todos os princípios do sistema, já seríamos tão prósperos a ponto de sermos capazes de nos dedicar exclusivamente a estender as vantagens do sistema ao mundo em geral.

No que diz respeito aos propósitos originais da Ordem, não pode haver dúvida de que a redução da massa incômoda de questões maçônicas e similares a um sistema simples, inteligível e funcional, permite que as pessoas desfrutem de todas as vantagens das iniciações que, nos velhos tempos, eram numerosas demais para serem conferidas mesmo àqueles que devotaram uma quantidade desproporcional de suas vidas ao assunto. O segredo central da Maçonaria, que foi perdido, e agora encontrado, é usado diariamente por iniciados de nossa Ordem. Os fatos científicos estão se acumulando rapidamente; e é certo que dentro de pouco tempo seremos capazes de dispor de uma força mais poderosa que a eletricidade e capaz de uma aplicação mais extensa, com a mesma certeza. Nossos resultados qualitativos são inquestionáveis. A falta de métodos quantitativos, que por tantos séculos impediu a aplicação sistemática de nosso conhecimento, logo será suprida.

Posso dizer que o segredo da O.T.O., além do que foi mencionado acima, provou-se ser, para todos os efeitos, a simplificação e concentração de todo o meu conhecimento mágico. Todos os meus métodos antigos foram unificados neste novo método. Não os substitui exatamente, mas os interpreta. Também me permitiu construir um tipo uniforme de motor para realizar qualquer coisa que eu queira.

Portanto, minha associação com a maçonaria estava destinada a ser mais fértil do que quase qualquer outro estudo, e isso de uma forma a despeito de si mesma. Uma palavra deve ser pertinente em relação à questão do sigilo. Tornou-se difícil para mim levar o assunto muito a sério. Sabendo qual é o verdadeiro segredo, não posso dar muita importância aos mistérios artificiais. É verdade que alguns dos chamados segredos são significativos, mas via de regra só o são para quem já sabe qual é o segredo. Mais uma vez, embora o segredo em si tenha uma importância tremenda e seja tão simples que eu pudesse divulgá-lo e as principais regras para aproveitá-lo da melhor forma em um parágrafo curto, eu poderia fazê-lo sem causar muito dano. Pois ele não pode ser usado indiscriminadamente.

Os alquimistas foram muito zombados por insistirem que a Grande Obra, um processo ostensivamente químico, só pode ser realizada por adeptos que temem e amam a Deus e que praticam a castidade e inúmeras outras virtudes. Mas há mais bom senso nessas declarações do que aparenta. Um devasso bêbado não consegue realizar manipulações delicadas em química ou física; e a força com a qual o segredo está relacionado, embora tão material quanto as emanações de Becquerel, é mais sutil do que qualquer outra conhecida. Jogar golfe ou sinuca de maneira excelente, observar reações delicadas ou conduzir pesquisas matemáticas recônditas exige mais do que superioridades físicas. Até mesmo as exigências teológicas da alquimia tinham significado naquela época. Um elisabetano que não estivesse “em paz com Deus” provavelmente ficaria agitado e, portanto, incapaz de trabalhar, demandando liberdade da distração emocional. Descobri na prática que o segredo da O.T.O. não pode ser usado indignamente.

É interessante, a esse respeito, relembrar como o recebi. Ocorreu-me escrever um livro, O Livro das Mentiras, que também é falsamente denominado Quebras, as divagações ou falsificações do pensamento único de Frater Perdurabo, cujo pensamento em si é falso.

Cada um de seus noventa e três capítulos deveria expor algum dogma mágico profundo de uma forma epigramática e às vezes humorística. O valor cabalístico do número de cada capítulo servia para determinar seu assunto. Escrevi um ou mais deles diariamente no almoço ou jantar com a ajuda do deus Dioniso. Um desses capítulos me incomodou. Eu não conseguia escrevê-lo. Invoquei Dioniso com fervor peculiar, mas ainda sem sucesso. Saí desesperado para “mudar minha sorte” fazendo algo totalmente contrário às minhas inclinações. Em meio à minha repulsa, o espírito veio sobre mim e rabisquei o capítulo à luz de uma vela. Quando reli, fiquei tão descontente quanto antes, mas o enfiei no livro numa espécie de raiva de mim mesmo como um ato deliberado de rancor para com meus leitores.

Logo após a publicação, o O.H.O. veio até mim. (Naquela época, eu não percebia que havia algo na O.T.O. além de um compêndio conveniente das verdades mais importantes da maçonaria.) Ele disse que, como eu estava familiarizado com o segredo supremo da Ordem, deveria ter permissão para ter o IX° e prestar o juramento. Eu protestei que não conhecia tal segredo. Ele disse “mas você o publicou na mais plana linguagem”. Eu disse que não poderia ter feito isso porque não o conhecia. Ele foi até a estante de livros e, tirando um exemplar do Livro das Mentiras, apontou para uma passagem do capítulo desprezado. Aquilo instantaneamente lampejou sobre mim. Todo o simbolismo, não apenas da maçonaria, mas de muitas outras tradições, resplandeceu em minha visão espiritual. A partir daquele momento, a O.T.O. assumiu sua devida importância em minha mente. Compreendi que tinha nas mãos a chave para o futuro progresso da humanidade. Eu me dediquei imediatamente a aprender tudo o que ele pudesse me ensinar, descobrindo, para minha extrema surpresa, que de fato era pouco. Ele compreendia plenamente a importância do assunto e era um homem de considerável realização científica em muitos aspectos; no entanto, ele nunca fez um estudo sistemático do assunto e nem mesmo aplicou seus conhecimentos aos seus propósitos, exceto em raras emergências. Assim que tive a certeza, através da experiência, de que a nova força era de fato capaz de realizar os resultados que em teoria eram previsíveis, dediquei praticamente todo o meu tempo livre a um curso de experimentos[21].

Posso concluir este capítulo com a observação geral de que acredito que minhas propostas para reconstituir a Maçonaria nas linhas apresentadas acima devem se provar criticamente importantes. A civilização está desmoronando sob nossos olhos e eu acredito que a melhor chance de salvar o pouco que vale a pena salvar, e reconstruir o Templo do Espírito Santo de acordo com a planta, e com material e mão de obra, que estará livre dos erros do anterior, reside na O.T.O.


[Para mais informações sobre as relações de Crowley com a Maçonaria, consulte o artigo “Aleister Crowley, Freemason” de Martin P. Starr (AQC, vol. 108, 1995; também online na Grande Loja de British Columbia / Yukon).]

«Consulte também a resposta ao artigo anterior, escrito por David Richard Jones como “Aleister Crowley Freemason? Revisited”, disponível online na The Hermetic Library.»



  1. Nota do tradutor: este texto foi originalmente publicado como o capítulo 72 de The Confessions of Aleister Crowley. As notas em «aspas especiais» são do tradutor. As notas entre [colchetes] são de Frater T.S. da Celephaïs Press, para sua edição inglesa deste texto. ↩︎

  2. [Em 1900, de um certo Don Jesus Medina. Consulte o capítulo 23 do Confessions. Isso parece ter sido algum tipo de troca de títulos ocultistas; em troca, Crowley nomeou Don Jesus como Sumo Sacerdote de uma organização chamada L.I.L., supostamente anexa à R.R. et A.C. sob a autoridade de Mathers (consulte o The Equinox I (3) e o capítulo acima citado de Confessions). A maioria dos maçons consideraria a transação irregular, uma vez que Crowley não tinha se graduado na Arte na época, e o “Conselho Supremo” de Medina-Sedonia era em todo caso considerado espúrio. O 33° do Rito Escocês Antigo e Aceito é normalmente um grau honorário ou administrativo para aqueles que dedicaram muitos anos e muito trabalho à Maçonaria.] ↩︎

  3. [Isto é de um ensaio intitulado The Crisis in Freemasonry publicado sob pseudônimo (“por um Ex Grão-Mestre”) na English Review de agosto de 1922.] ↩︎

  4. «Em algumas jurisdições você precisa ser indicado por duas pessoas para ser iniciado em uma Loja: o proposer (proponente) e o seconder (endossador).» ↩︎

  5. «Basicamente significa que ele foi iniciado como Aprendiz Maçom; elevado a Companheiro Maçom; e exaltado como Mestre Maçom; os três graus básicos e universais da “Loja Azul”.» ↩︎

  6. «Significa que Crowley em algum momento foi o Venerável Mestre de sua Loja, uma posição temporária, após a qual “passa-se a cadeira”. Era pré-requisito para ingressar no Real Arco ser um “Past Master”, um Mestre Instalado que não mais atua como Venerável de uma Loja.» ↩︎

  7. [Isso é um mal-entendido ou, mais provavelmente, uma deliberada reductio ad absurdam cômica de uma acusação feita aos mestres maçons de não se associarem maçonicamente a maçons formados clandestinamente. (No jargão maçônico, um corpo ‘clandestino’ é aquele cujo estatuto ou poder de fazer maçons não é reconhecido pela pessoa que o designou ou por sua Grande Loja. Os corpos ‘clandestinos’ não são necessariamente ‘irregulares’; seja um grupo que afirma ser maçônico é “irregular” refere-se à forma de rituais, manutenção de marcos, etc. A O.T.O., se alegasse ser Maçonaria ou tornar Maçons, certamente cairia nessas duas categorias; mas não faz tal afirmação e não emprega mais as formas ou símbolos da Maçonaria.) A Loja ‘Anglo-Saxônica’ 343, embora pareça não ter havido dúvida quanto à regularidade de seu funcionamento, estava sob a Grande Loja de França, que não era reconhecida pela «Grande Loja Unida da Inglaterra»; portanto, qualquer um lá iniciado seria considerado pela GLUI como um maçom clandestinamente formado, então associar-se maçonicamente a tal pessoa, sabendo que ele foi iniciado em uma loja considerada clandestina, seria uma ofensa às regras maçônicas, possivelmente um violação de um juramento.]

    «David Richard Jones em seu artigo “Aleister Crowley Freemason? Revisited” explica a situação da Loja de Crowley, que era uma Loja que operava em inglês na França. Na época nenhuma Grande Loja na França era reconhecida pela G.L.U.I. Durante a Primeira Guerra Mundial, algumas potências norte-americanas reconheceram a Grand Lodge du France, potência da Loja de Crowley, para que os soldados americanos estacionados na França pudessem frequentar Lojas sem comprometer suas regularidades. “Em 1947 outra Grande Loja foi autorizada na França sob instigação e orientação da GLUI. É chamada de Grande Loja Nacional da França. […] a Anglo Saxônica estava entre as Lojas que se afiliaram à nova Grande Loja Nacional da França, agora como Anglo Saxônica Nº 103. […] e assim ipso facto reconhece-se a iniciação e afiliação de Aleister Crowley na Maçonaria.” » ↩︎

  8. «Gérard Anaclet Vincent Encausse (1865–1916), mais conhecido como Papus, foi o fundador da Kabbalistic Order of the Rose-Croix e da Ordem Martinista. Foi membro de diversas ordens esotéricas, dentre elas a Ordem Hermética da Aurora Dourada, a Ordo Templi Orientis e a Hermetic Brotherhood of Light.» ↩︎

  9. «Albert Karl Theodor Reuss (1855-1923), maçom, membro de diversas ordens esotéricas e ritos maçônicos. Mais conhecido como um dos fundadores da Ordo Templi Orientis.» ↩︎

  10. [Infelizmente, explicar completamente o raciocínio de Crowley aqui envolveria uma discussão detalhada dos segredos de certos graus da O.T.O., não apenas do Terceiro. Uma dica pode ser procurada em O Navio «The Ship».] ↩︎

  11. «Annie Besant (1847-1933) foi uma ativista dos direitos das mulheres e teosofista, que promoveu a Co-Maçonaria como uma forma de promover a igualdade de direitos entre mulheres e homens, trabalhando juntos em prol do aperfeiçoamento da humanidade.» ↩︎

  12. «“O Direito Humano”, outro nome da Ordem Maçônica Mista Internacional, que admite homens e mulheres nos graus da maçonaria. É considerada irregular pelas potências maçônicas tradicionais.» ↩︎

  13. «Reverendo John Hugh Smyth-Pigott, o líder da seita dos Agapemonitas. Em dado momento dizia ser Deus e era adorado como tal por seus seguidores.» ↩︎

  14. [Diferentes funcionamentos do Rito Escocês Antigo e Aceito variam quanto à incorporação de elementos cristãos. Os graus até o 16° usam apenas o simbolismo do Antigo Testamento. Muitas versões da Rose Croix são mais ou menos cristãs; o inglês trabalhando mais do que a maioria (em algumas versões, por exemplo, a publicada por Hannah, o candidato deve professar especificamente uma fé na fé cristã trinitária). Albert Pike, em sua revisão do ritual para a Jurisdição do Sul dos EUA, fez tudo ao seu alcance para torná-la não sectária, provavelmente tanto por princípio geral quanto pelo desejo de aumentar o número potencial de membros (consulte por exemplo as observações em Christian by Degrees de Walton Hannah (um estudo reconhecidamente hostil).] ↩︎

  15. [O ensaio de Crowley “The Crisis in Freemasonry”, mencionado anteriormente.] ↩︎

  16. «Carl Kellner (1851-1905), um químico, inventor e industrialista, conhecido como um dos fundadores da Ordo Templi Orientis.» ↩︎

  17. «Latim para “o que havia de ser demonstrado”.» ↩︎

  18. A ignorância dos maçons é ilimitada. Na Cruz Vermelha de Roma e no Grau de Constantino, por exemplo, lemos: ‘Senhor Deus do Sabá.’ Ninguém sabe a diferença entre ShBTh «שבת, Shabat ou Sabá» e TzBATh «צבאת, Tzabath ou Exército»!

    [ShBTh, hebraico, Sabá, o dia do descanso. TzBAVTh, hebraico, Sabaoth, hostes ou exércitos; um dos títulos hebraicos tradicionais de Deus é IHVH Sabaoth, às vezes não traduzido ficando como “Senhor Deus de Sabaoth”. O erro ocorre na versão impressa do ritual do Príncipe Maçom Perfeito de Constantino e da Cruz Vermelha (consulte o Text-Book of Advanced Freemasonry, p. 140).] ↩︎

  19. [Royal Ark Mariner, um dos graus secundários mais tolos. A passagem citada pode ser encontrada na descrição do grau no Text-Book of Advanced Masonry (Londres, 1873; reimpresso em Kila, MT: Kessinger, 1992), pp. 21-22.] ↩︎

  20. [A saber, Liber LII, Liber CI, Liber CLXI e Liber CXCIV. Todos foram reimpressos, junto com outros artigos da O.T.O., no The Equinox III (10).] ↩︎

  21. [Consulte, por exemplo, o diário intitulado “Rex de Arte Regia” em The Magical Record of the Beast 666.] ↩︎


Traduzido por Alan Willms em junho de 2021.

Gostou deste artigo?
Contribua com a nossa biblioteca