Terceira Palestra: Niyama

Este artigo é um capítulo de Oito Palestras Sobre Yoga

Uma abordagem dos Niyamas sob o ponto de vista dos planetas astrológicos.

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Terceira Palestra: Niyama

Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.

1. O assunto da minha terceira palestra é Niyama. Niyama? Hmm! A imperfeição até mesmo das mais nobres tentativas de traduzir essas miseráveis palavras em sânscrito está prestes a ser deliciosamente demonstrada. O mais próximo que eu consigo chegar do significado de Niyama é “virtude”! Que Deus nos ajude! Isso significa virtude no sentido etimológico original da palavra – a qualidade de masculinidade; ou seja, para todos os efeitos, a qualidade de divindade. Mas, como estamos traduzindo Yama como “controle”, descobrimos que nossas duas palavras não têm de modo algum o mesmo relacionamento entre si que as palavras originais em sânscrito têm; pois o prefixo ni em sânscrito dá o sentido de virar tudo de cabeça para baixo e de trás para frente – como vocês diriam, hysteron proteron[1] – produzindo ao mesmo tempo o efeito de sublimidade transcendental. Eu descubro que não consigo sequer começar a pensar em uma definição adequada, apesar de saber perfeitamente bem o que os hindus querem dizer com a palavra; se uma pessoa se absorve no pensamento oriental por um número suficiente de anos, ela obtém uma apreensão espiritual que é completamente impossível de expressar em termos que se aplicam aos objetos da apreensão intelectual; portanto, é muito melhor nos contentarmos com as palavras como elas se apresentam, e focarmos nos passos práticos a serem dados para dominar esses exercícios preliminares.

2. Dificilmente terá escapado ao ouvinte atento que em minhas palestras anteriores eu combinei o máximo de discursos com o mínimo de informação; isso é tudo parte do meu treinamento como um Ministro de Gabinete. Mas o que surge, sem confiança, do meu nevoeiro mental é que o Yama, olhando por alto, é, na maior parte, negativo em seus efeitos. Estamos impondo inibições na corrente de energia existente, assim como confinamos uma cascata em turbinas para controlar e direcionar a energia gravitacional natural da correnteza.

3. Pode ser bom, antes de deixar completamente o assunto do Yama, enumerar algumas das conclusões práticas que decorrem da nossa premissa de que não se deve permitir nada que possa enfraquecer ou destruir a beleza e a harmonia da mente. A existência social de qualquer tipo torna qualquer Yoga sério absolutamente fora de questão; a vida doméstica é completamente incompatível até mesmo com práticas básicas. Sem dúvida muitos de vocês dirão: “Isso pode soar correto para ele; mas que ele fale por si só; quanto a mim, eu gerencio minha casa e meu negócio para que tudo funcione tranquilamente”. Respostas-eco[2]

4. Até que vocês realmente comecem a prática do Yoga, vocês não conseguem imaginar o que constitui uma perturbação. Vocês, a maioria de vocês, acham que podem se sentar perfeitamente imóveis; vocês me contam que os modelos que posam para pintores conseguem fazer isso por mais de trinta e cinco minutos. Eles não conseguem. Vocês não escutam o tique-taque do relógio; talvez vocês nem saibam se uma máquina de escrever está funcionando na sala; pelo que sei, vocês podem dormir em paz em meio a um ataque aéreo. Aquilo não tem nada a ver com isso. Assim que vocês começarem as práticas, vocês descobrirão, se as estiverem fazendo corretamente, que estão ouvindo sons que nunca ouviram antes na vida. Vocês se tornam hipersensíveis. E, como vocês têm cinco baterias de artilharia externas lhes bombardeando, vocês têm pouco descanso. Vocês sentem o ar em sua pele mais ou menos com a mesma intensidade que vocês teriam anteriormente sentido um soco na cara.

5. Sem dúvidas, até certo ponto esse fato será familiar para todos vocês. Provavelmente, a maioria de vocês esteve em algum momento no que é grotescamente conhecido como o silêncio da noite, onde vocês perceberiam movimentos infinitesimais de luz na escuridão, sons indescritíveis no silêncio. Eles lhes acalmariam e agradariam; nunca lhes ocorreu que essas mudanças poderiam ser sentidas como um tormento. Mas, mesmo nos primeiros meses de Yoga, é exatamente isso que acontece e, portanto, é melhor estar preparado estando organizando, antes mesmo de começar, de modo que toda a sua vida esteja permanentemente livre de todas as causas mais grosseiras de problemas. Portanto, o problema prático do Yama é em grande medida: “Como devo me preparar para realizar o trabalho?” Então, tendo atendido às condições que teoricamente são as melhores, vocês precisam enfrentar cada novo problema da melhor forma possível.

6. Agora estamos em uma posição melhor para considerar o significado de Niyama ou virtude. Para a maioria dos homens, as qualidades que constituem Niyama não são apreendidas de modo algum por sua autoconsciência. Estes são poderes positivos, mas estão latentes; seu desenvolvimento não é meramente mensurável em termos de quantidade e eficiência. À medida que nos elevamos do bruto ao fino, do grosseiro ao sutil, entramos em uma nova (e que parece à primeira vista ser uma incomensurável) região. É quase impossível explicar o que quero dizer com isso; se eu pudesse, vocês já saberiam. Como alguém pode explicar para uma pessoa que nunca patinou no gelo a natureza do prazer de executar um difícil movimento de patinação artística? Ele tem em si todo o aparato pronto para o uso; mas a experiência, e a experiência apenas, pode torná-lo consciente dos resultados de tal uso.

7. Ao mesmo tempo, em uma exposição geral do Yoga, pode ser útil dar uma ideia das funções sobre as quais os cumes que atravessam as nuvens das limitações de nossa compreensão intelectual se baseiam.

Eu tenho achado muito útil em todos os tipos de raciocínios empregar uma espécie de ábaco. A representação esquemática do universo dada pela astrologia e pela Árvore da Vida é extremamente valiosa, especialmente quando reforçada e amplificada pela Santa Cabala. Esta Árvore da Vida é suscetível a ramificações infinitas e, no presente contexto, não há necessidade de explorar suas sutilezas. Devemos ser capazes de criar um diagrama bastante satisfatório para fins elementares tomando como base de nosso exemplo o sistema solar tal como concebido pelos astrólogos.

Diagrama da Árvore da Vida
Figura I: «A Árvore da Vida»

Eu não sei se o estudante médio está ciente de que, na prática, o significado dos planetas se baseia geralmente nas concepções filosóficas dos deuses gregos e romanos. Vamos esperar pelo melhor e seguir em frente!

8. O planeta Saturno, que representa a anatomia, é o esqueleto: é uma estrutura rígida sobre a qual o resto do corpo é construído. A que qualidades morais isso corresponde? O primeiro ponto de virtude em um osso é sua rigidez, sua resistência à pressão. E assim, em Niyama, descobrimos que precisamos das qualidades de absoluta simplicidade em nosso regime; precisamos de insensibilidade; precisamos de resistência; precisamos de paciência. É simplesmente impossível para qualquer um que não tenha praticado Yoga entender o que o tédio significa. Conheci Yogīs, homens ainda mais santos do que eu (não! não!) que, para escapar do tédio insuportável, buscariam refúgio em uma festa americana de bebidas[3]! É um tédio fisiológico que se torna a agonia mais aguda. A tensão se torna cãibra; nada mais importa senão escapar da restrição auto imposta.

Mas todo mal traz seu próprio remédio. Outra qualidade de Saturno é a melancolia; Saturno representa o sofrimento do universo; ele é o Trance do sofrimento que torna alguém determinado a empreender a tarefa da emancipação. Esta é a força energizante da Lei; é a rigidez do fato de que “tudo é sofrimento” é o que move a pessoa para a tarefa, e mantém a pessoa no Caminho.

9. O próximo planeta é Júpiter. Este planeta é em muitos aspectos o oposto de Saturno; ele representa expansão como Saturno representa contração; é o amor universal, o amor abnegado cujo objeto não pode ser menor que o próprio universo. Isso vem para reforçar os poderes de Saturno quando eles agonizam; o sucesso não é para si, mas para todos; pode-se aquiescer no próprio fracasso, mas não se pode ser indigno do universo. Júpiter também representa o elemento vital, criativo e genial do cosmos. Ele tem Ganimedes e Hebe como seus copeiros. Há uma alegria imensa e inacessível na Grande Obra; e é a consecução do trance, até mesmo da antecipação intelectual desse trance, da alegria, que assegura ao Yogī que seu trabalho vale a pena.

Júpiter digere experiências; Júpiter é o Senhor das Forças da Vida; Júpiter toma a matéria comum e a transmuta em alimento celestial.

10. O próximo planeta é Marte. Marte representa o sistema muscular; é a forma mais baixa de energia e, em Niyama, deve ser tido literalmente como a virtude que permite enfrentar e superar as dificuldades físicas da Obra. O ponto prático é este: “O pouquinho a mais e o quanto se tem daquilo, o pouquinho a menos e a quantos mundos se está distante daquilo!”[4]. Não importa quanto tempo você mantenha a água a 99°C sob pressão barométrica normal, ela não vai ferver. Provavelmente serei acusado de anunciar algum tipo de combustível ao falar sobre aquela coisinha a mais que os outros não têm, mas garanto-lhes que não estou sendo pago por isso.

Tomemos o exemplo do Prāṇāyāma, um assunto o qual espero tratar em uma subsequente lucubração. Suponhamos que você esteja controlando a sua respiração para que seu ciclo de inspiração, retenção e expiração do ar, dure exatamente um minuto. Esse é um trabalho muito bom para a maioria das pessoas, mas pode ou não ser bom o suficiente para você avançar. Ninguém pode lhe dizer até que você tenha tentado por tempo o suficiente (e ninguém pode dizer quanto tempo pode ser “tempo o suficiente”) se vai ou não dar certo. Pode ser que, se você aumentasse seus sessenta segundos para sessenta e quatro, os fenômenos começariam imediatamente. Isso soa razoável, mas como você quase explodiu seus pulmões fazendo os sessenta, você quer que essa energia adicional produza o resultado. Esse é apenas um exemplo da dificuldade que surge com toda prática.

Marte, além disso, é a energia flamejante da paixão, é a qualidade masculina em seu sentido mais baixo; é a coragem que se torna frenética, e não me importo de dizer-lhes que, pelo menos no meu caso, uma das inibições com a qual eu mais tive de lutar foi o medo de que eu iria enlouquecer. Este foi especialmente o caso quando aqueles fenômenos começaram a ocorrer, o que, registrado a sangue frio, parecia uma loucura. E o Niyama de Marte é a raiva implacável que zomba das cicatrizes enquanto morre por causa das próprias feridas.

“… o lúgubre Senhor de Colonsay
O jogou no chão,
E riu em dor cruciante porque o impulso mortal
Recompensou tão bem sua espada.”

11. O próximo dos corpos celestes é o centro de tudo, o Sol. O Sol é o coração do sistema; ele harmoniza tudo, energiza tudo, comanda tudo. Sua é a coragem e energia que é a fonte de todas as outras formas menores de movimento, e é por isso que ele é calmo em si. Os outros são planetas; ele é uma estrela. Dele todos os planetas vêm; ao redor dele todos se movem, a ele todos eles tendem. É essa centralização de faculdades, seu controle, sua motivação, que é o Niyama do Sol. Ele não é apenas o coração, mas o cérebro do sistema; mas ele não é o cérebro “pensante”, pois nele todo o pensamento foi resolvido na beleza e na harmonia do movimento ordenado.

12. O próximo dos planetas é Vênus. Nela entramos em contato pela primeira vez com uma parte de nossa natureza que não deixa de ser quintessencial, mas que até agora foi mascarada por nossa preocupação com qualidades mais ativas. Vênus assemelha-se a Júpiter, mas em menor escala, representando-o como Marte representa Saturno. Sua natureza é muito próxima da do Sol, e ela pode ser considerada como uma externalização da influência dele em relação à beleza e à harmonia. Vênus é Ísis, a Grande Mãe; Vênus é a própria natureza; Vênus é a soma de todas as possibilidades.

O Niyama correspondente a Vênus é um dos mais importantes e um dos mais difíceis de alcançar. Eu disse a soma de todas as possibilidades, e pedirei a vocês que relembrem o que eu disse antes sobre a definição da Grande Obra em si, o objetivo do Yogī de consumar o casamento de tudo o que ele é com tudo aquilo que ele não é, e finalmente perceber, na medida em que o casamento é consumado, que o que ele é e o que ele não é são idênticos. Portanto, em nosso Yoga, não podemos escolher. Está escrito n’O Livro da Lei, Capítulo 1, versículo 22, “Que não haja nenhuma diferença feita entre vós entre qualquer uma coisa & qualquer outra coisa; pois daí vem dor”.

Vênus representa a aceitação extática de toda experiência possível, e a aceitação transcendental de toda experiência particular na experiência única.

Ah, sim, a propósito, não se esqueçam disso. Em um sentido menor, Vênus representa o tato. Muitos dos problemas que confrontam o Yogī são impraticáveis à manipulação intelectual. Eles cedem à graça.

13. Nosso próximo planeta é Mercúrio, e os Niyamas que correspondem a ele são tão incontáveis e diversos quanto suas próprias qualidades. Mercúrio é a Palavra, o Logos no mais alto; ele é o meio direto de conexão entre os opostos; ele é a eletricidade, o próprio elo da vida, o próprio processo do Yoga, seus meios, seu fim. No entanto, ele em si é indiferente quanto a todas as coisas, pois a corrente elétrica é indiferente ao significado das mensagens que podem ser transmitidas por meio dela. O Niyama correspondente a Mercúrio em suas formas mais elevadas pode ser facilmente suposto a partir do que eu já disse, mas na técnica do Yoga ele representa a delicadeza do método que é infinitamente adaptável a todos os problemas, e somente porque é supremamente indiferente. Ele é a sagacidade e ingenuidade que nos ajudam em nossas dificuldades; ele é o sistema mecânico, o simbolismo que ajuda a mente humana do Yogī a tomar conhecimento do que está por vir.

Deve ser observado aqui que, por causa de sua total indiferença a qualquer coisa seja lá o que for (e o pensamento é isso – quando você chega longe o suficiente – apenas um ponto primário de sabedoria) ele não é confiável de modo algum. Um dos perigos mais insondavelmente terríveis do Caminho é que você deve confiar em Mercúrio e, ainda assim, se você confiar nele, certamente será enganado. Eu só consigo explicar isso, se puder, apontando que, uma vez que toda verdade é relativa, toda verdade é falsidade. Em certo sentido, Mercúrio é o grande inimigo; Mercúrio é a mente e é a mente que nos propusemos a conquistar.

14. O último dos sete planetas sagrados é a Lua. A Lua representa a totalidade da nossa parte feminina, o princípio passivo que no entanto é muito diferente do de Vênus, pois a Lua corresponde ao Sol tanto quanto Vênus corresponde a Marte. Ela é mais puramente passiva que Vênus e, embora Vênus seja tão universal, a Lua também é universal em outro sentido. A Lua é o mais alto e o mais baixo; a Lua é a aspiração, o elo do homem com Deus; ela é a suprema pureza: Isis a Virgem, Isis a Virgem Mãe; mas quando necessário, no outro extremo da escala, é um símbolo dos próprios sentidos, o mero instrumento do registro de fenômenos, incapaz de discriminação, incapaz de escolha. O Niyama correspondente à sua influência, o primeiro de todos, é aquela qualidade de aspiração, a pureza positiva que recusa a união com qualquer coisa menor do que o Todo. Na mitologia grega, Ártemis, a Deusa da Lua, é virgem; ela só se entregou a Pã. Aqui há uma lição em particular: à medida em que o Yogī avança, poderes mágicos (os professores os chamam de Siddhiḥ) são oferecidos ao aspirante; se ele aceitar o menor destes – ou mesmo o maior – ele estará perdido.

15. No outro extremo da escala dos Niyamas da Lua estão os fantásticos desenvolvimentos da sensibilidade que assediam o Yogī. Eles ajudam e encorajam; são todos obstáculos intoleráveis; estes são os maiores obstáculos que o ser humano enfrenta, treinado, como é, por séculos de evolução, para receber toda a sua consciência somente através dos sentidos. E eles nos atingem mais duramente porque interferem diretamente com a técnica do nosso trabalho; estamos constantemente adquirindo novos poderes, a despeito de nós, e toda vez que isso acontece, temos que inventar um novo método para reduzir sua malícia a nada. Mas, como antes, o remédio é feito do mesmo material que a doença; é a inabalável pureza de aspiração que nos permite superar todas essas dificuldades. A Lua é a âncora secundária do nosso trabalho. É o Conhecimento e Conversação do Santo Anjo Guardião que nos permite triunfar, em todos os momentos e de todas as maneiras, conforme for a necessidade da ocasião.

16. Existem dois outros planetas que não são contados entre os sete sagrados. Não vou dizer que eles eram conhecidos pelos antigos e que foram deliberadamente escondidos, embora muito nos seus escritos sugira que esse pode ser o caso. Eu me refiro ao planeta Herschel ou Urano, e Netuno. Qualquer que tenha sido o conhecimento dos antigos, é pelo menos certo que eles deixaram lacunas em seu sistema que foram preenchidas por esses dois planetas com exatidão, além do recém-descoberto Plutão. Eles preenchem essas lacunas assim como os elementos químicos recém-descobertos nos últimos cinquenta anos preenchem as lacunas na tabela da Lei Periódica de Mendeleiev.

17. Herschel representa a mais alta forma da Verdadeira Vontade, e parece natural e correto que ele não seja classificado com os sete planetas sagrados, porque a Verdadeira Vontade é a esfera que os transcende. “Todo homem e toda mulher é uma estrela”. Herschel define a órbita da estrela, de suas estrelas. Mas Herschel é dinâmico; Herschel é explosivo; Herschel, astrologicamente falando, não se move em uma órbita; ele tem seu próprio caminho. Assim, o Niyama que corresponde a este planeta é, em todos os aspectos, a descoberta da Verdadeira Vontade. Esse conhecimento é secreto e muito sagrado; cada um de vocês precisa incorporar para si a incidência e a qualidade de Herschel. É a mais importante das tarefas do Yogī, porque, até que ele tenha alcançado isso, ele não consegue ter ideia de quem ele é ou para onde está indo.

18. Ainda mais remota e tênue é a influência de Netuno. Aqui temos um Niyama de delicadeza infinita, uma intuição espiritual muito distante de qualquer qualidade humana. Aqui tudo é fantasia, e neste mundo há prazer infinito, perigos infinitos. O Verdadeiro Niyama de Netuno é a faculdade imaginativa, o prenúncio da natureza da luz ilimitada.

Ele tem outra função. O Yogī que entende a influência de Netuno e está sintonizado com Netuno, terá um senso de humor, que é a maior salvaguarda para o Yogī. Netuno está, por assim dizer, na linha de frente; ele tem que se adaptar às dificuldades e tribulações; e quando o recruta perguntar “Quem fez esse buraco”? ele tem que dizer, sem rir, “Ratos”[5].

19. Plutão é a maior sentinela de todas; dele não é sábio falar… Tendo agora dado vazão a essa expressão sibilina, obscura e sinistra, pode-se perguntar muito ousadamente: Por que não é sábio falar de Plutão? A resposta é profunda. É porque nada se sabe sobre ele.

De qualquer forma, dificilmente isso importa; nós certamente já falamos o bastante de Niyama por uma noite!

20. Agora é apropriado resumir brevemente o que aprendemos sobre Yama e Niyama. Em certo sentido, eles são as preliminares morais e lógicas da técnica do Yoga propriamente dito. Eles são estratégicos, em oposição às disposições táticas que devem ser feitas pelo aspirante antes que ele tente algo mais sério do que aquilo que podemos chamar de nossos exercícios dos cinco dedos[6] – o treino do recruta com as posturas, exercícios respiratórios e concentração, que as pessoas superficiais supõem confiantemente que formam esta grande ciência e arte.

Vimos que é presunçoso e impraticável estabelecer regras definidas sobre o que devemos fazer. O que nos interessa é organizar as coisas de modo que fiquemos livres para fazer qualquer coisa que se torne necessária ou conveniente, permitindo o desenvolvimento daqueles poderes sobrenaturais que nos permitem realizar nossos planos à medida que se formam no mutável bioscópio dos acontecimentos.

Se alguém me pede um plano prático, eu digo: “Bem, se você precisa ficar na Inglaterra, talvez consiga ter sucesso com um pouco de sorte em uma casa isolada, longe das estradas, se tiver o serviço de um ajudante já bem treinado para lidar com as emergências que possam surgir. Se necessário, alguém bem disciplinado poderia persistir razoavelmente bem numa suíte do hotel Claridge.

Mas contra isso, pode-se dizer que é preciso contar com as forças invisíveis. As coisas mais impossíveis começam a acontecer quando vocês começam. Realmente é insatisfatório iniciar um Yoga sério, a menos que você esteja em um país onde o clima é estável e onde o ar não está poluído pelo fedor da civilização. É extremamente importante, importante acima de tudo, a menos que você se seja uma pessoa extremamente rica, encontrar um país onde os habitantes entendam o modo de vida Yogīn, onde sejam solidários com suas práticas, tratem o aspirante com respeito e discretamente o ajudem e protejam. Em tais circunstâncias, a exigência de Yama e Niyama não é um estresse tão sério.

Há, também, algo além de todos esses detalhes práticos, que é difícil enfatizar sem fazer exatamente aquelas suposições misteriosas que desde o princípio resolvemos evitar. Tudo o que posso dizer é que eu sinto muito, mas este fato em particular vai lhes atingir na cara logo no começo, e eu não vejo por que deveríamos nos preocupar com as suposições misteriosas subjacentes à aceitação do fato mais do que no caso daquilo que é, afinal, igualmente misterioso e insondável: qualquer objeto de qualquer um dos sentidos. O fato é esse; que a pessoa adquire um sentimento – um sentimento bastante irracional – de que um dado lugar ou um dado método é certo ou errado para seus propósitos. A sugestão é tão certa quanto a do espadachim quando ele segura uma arma que ele nunca experimentou; ou ele se sente à vontade com ela na mão, ou não. Vocês não conseguem explicar e não conseguem argumentar contra isso.

21. Eu tratei de Yama e Niyama extensamente porque sua importância tem sido muito subestimada, e suas naturezas completamente incompreendidas. Elas são definitivamente práticas mágicas, com um pequeno toque de sabor místico. A vantagem para nós aqui é que podemos muito bem nos exercitar e nos desenvolver deste modo neste país onde a técnica do Yoga é, para todos os fins práticos, impossível. Incidentalmente, o verdadeiro país de alguém – ou seja, as condições em que por ventura alguém nasce – é o único em que o Yama e o Niyama podem ser praticados. Vocês não conseguem se esquivar dos seus Karmas. Vocês têm que conquistar o direito de se dedicarem ao Yoga adequadamente, organizando tudo para que essa devoção seja um estágio necessário no cumprimento de suas Verdadeiras Vontades. No Hindustão não é permitido tornar-se “Sanyāsī” – um recluso – até que se tenha cumprido o seu dever para com seu próprio ambiente – dai a César o que é de César antes de dar a Deus o que é de Deus.

Ai daquele aborto de sete meses que pensa tirar proveito dos acidentes do nascimento, e, zombando do chamado do dever, foge para encarar uma muralha vazia na China[7]! Yama e Niyama só são os estágios mais críticos do Yoga porque não podem ser traduzidos em termos de um currículo escolar. Tampouco truques de meninos que vão à escola podem servir adequadamente de desculpa para o aspirante evitar os deveres da hombridade. Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.

Alegrai-vos, verdadeiros homens, porque isso é assim!

Porque pelo menos isso pode ser dito: que há resultados a serem obtidos desta maneira que não apenas tornam o aspirante apto para a verdadeira batalha, como também o introduzirão a classes de fenômenos até então inimagináveis cujo impacto preparará sua mente para aquele tremendo choque de sua própria derrubada completa que marca o primeiro resultado crítico das práticas do Yoga.

Amor é a lei, amor sob vontade.


  1. «Grego para “o que vem depois, agora”, um artifício de retórica onde uma ideia que ocorre mais tarde na linha do tempo é dita por primeiro, para dar ênfase a ela.» ↩︎

  2. «Uma resposta que repete o verbo da pergunta.» ↩︎

  3. «Uma festa onde cada convidado traz os alimentos e bebidas que irá consumir.» ↩︎

  4. «Alusão a uma frase de Robert Browning: “Oh, the little more, and how much it is! And the little less, and what worlds away!”» ↩︎

  5. «Uma antiga piada de soldados.» ↩︎

  6. «Exercícios básicos de piano utilizando os cinco dedos.» ↩︎

  7. «De acordo com Hymenaeus Beta, essa é uma referência a Gerald J. Yorke, que nasceu prematuramente aos sete meses e foi autor do livro China Changes, de 1936. Embora tenha sido um amigo de Crowley e um dos principais responsáveis pela preservação de seu acervo literário após sua morte, Yorke havia se desligado da A∴A∴ e renunciado a Thelema. No dia da terceira palestra da segunda série, 3 de março de 1937, Crowley escreveu em seu diário: “Yorke realmente é um merda notável. Um espécime de museu.”» ↩︎


Traduzido por Alan Willms em maio de 2019.

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