Os Antecedentes de Thelema

Sobre as origens da Lei de Thelema, incluindo Santo Agostinho e François Rebelais (com sua Abadia de Thelema), e as diferenças em relação ao sistema atual de Mestre Therion.

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Os Antecedentes de Thelema

I

Tem sido lembrado por alguns críticos da Lei de Thelema que as palavras "Faze o que tu queres" não são originais do Mestre Therion: ou, ainda, de Aiwass, que as proferiu ao escriba Ankh-f-n-khonsu, o sacerdote dos príncipes, O Livro da Lei.

II

Isso é verdade o suficiente, do seu próprio jeito: nós temos, primeiramente, a expressão de Santo Agostinho: "Ama, e faze o que tu queres".

No entanto, isso não é, como o contexto mostra,  de modo algum o que significa n'O Livro da Lei. A tese de Santo Agostinho é de que se o coração estiver repleto de Amor, não se pode agir errado. Ela é, por assim dizer, um codicilo sobre o teorema de São Paulo no décimo-terceiro capítulo da Primeira Epístola aos Coríntios

III

Muito mais importante é a Expressão de Rabelais, "Fais ce que veulx" [Fr. "Faze o que tu queres"]. O nobre Doutor realmente planeja, tão longe quanto ele foi, expôr em essência a Lei de Thelema, tal como é entendida pelo próprio Mestre Therion.

As implicações do contexto são significantes.

Nosso Mestre faz da fundação da Abadia de Thelema o clímax bem definido de sua história de Gargântua; ele descreve seu ideal de Sociedade. Assim ele certamente esteve ocupado com a idéia de um novo Aeon, e ele percebeu, embora que vagamente, que Fais ce que veulx era a Fórmula Mágica necessária.

O Cardeal Jean du Bellay, de fato, reportou a Francis I que Gargântua era "um novo Evangelho". Ele era, de fato, o Livro que faltava no Renascimento; e se ele tivesse sido tomado como realmente deveria, o mundo poderia ter sido poupado da infâmia do Protestantismo.

Como o personagem de sua parábola requeria, ele se confina em descrever em detalhes de pura Beleza; ele não entra em questões de economia política (e assuntos semelhantes) que precisam ser resolvidos de modo que se possa realizar o ideal da Lei da Liberdade. Mas ele distintamente afirma que a religião de Thelema deve ser contrária a todas as outras. A Verdade, para Thelema é Magia, e a Magia é Ciência, a antítese da hipótese religiosa. [Também, veja O Livro da Lei, III:49-54.]

Não devem haver paredes na Abadia. Para ele, assim como para nós, "A palavra do Pecado é Restrição" [AL I:41]. Ele diz claramente que a constrição só causa assassinatos e intrigas. É impossível extinguir a chama do Espírito Santo do Homem; e a tentativa de sufocá-la infalivelmente leva ao incêndio de fúria explosiva.

Até mesmo no assunto de insignificantes restrições de Tempo, as convenções com as quais nós todos cumprimos sem refletir, Rabelais vê ameaça à liberdade da Alma. Em sua Abadia de Thelema não deveriam haver relógios, nenhuma rotina fixa; o que precisa ser feito deve ser feito quando a necessidade real surgir. O texto é justo.

Nós não devemos tomar esta passagem muito literalmente. Nossas convenções-temporais são inventadas por experiência para nos assegurar a maior margem possível de liberdade.

Rabelais insiste que os membros de sua Abadia estejam em boa forma fisicamente, assim também O Livro da Lei: "Sabedoria diz: sê forte!" [AL II:70] e passagens similares.

Não deve haver separação dos sexos, e nenhuma restrição artificial sobre o Amor. O Livro da Lei é ainda mais explícito sobre este princípio social fundamental [ver AL I:12, 13; I:41; I:51-53; II:52].

Com tudo isso nós não encontramos quaisquer sugestões de teorias comunistas; elas de fato são especificamente negadas. A ética do Aeon de Hórus é igualmente individualista. "Vós reunireis mercadorias e quantidades de mulheres e especiarias; vós usareis ricas jóias" etc. [AL I:61]. "Vós os vereis no comando, em exércitos vitoriosos, em todo o prazer" [AL II:24. Ver também: II:18; II:21; II:58, etc.]

Os membros das religiões supersticiosas não devem ser aceitos para entrar na Abadia de Thelema. No Livro da Lei a atitude não é assim meramente defensiva: a implicação é a de que a superstição deve ser eliminada, ou ao menos suas vítimas haverão de ser exiladas definitivamente à classe escrava. O Homem-livre combaterá o servo: "nos homens inferiores pisai na feroz ganância de seu orgulho, no dia de sua fúria" [AL II:24]. Não há lugar na Abadia imaginada por Rabelais, e a ser realizada pelo Mestre Therion, para parasitas da sociedade que se alimentam dos problemas causados pela Restrição: oficiais, advogados, financiadores, e semelhantes. Pessoas mal dispostas - isto é, aquelas cujo fracasso em entender suas próprias verdadeiras Vontades de Liberdade as levou a procurar interferir com os outros — não serão toleradas.

No Livro da Lei isso está implícito em tudo. A Verdadeira Vontade de todo Homem Livre é essencialmente nobre. [Pode bem ser que a Verdadeira Vontade de um homem seja ver a Justiça sendo feita: mas esta não é a concepção comum de um advogado. E assim também para os outros casos.]

Assim Rabelais termina seu relato das qualificações de admissão para sua Abadia: que o postulante deve estar repleto com o espírito da Nobreza, da Verdade e da Beleza. Com esta idéia o Livro da Lei está tão penetrado que uma citação não prevaleceria.

Nós podemos então concluir que a obra-prima de Rabelais contém em perfeição singular uma clara previsão do Livro que estava para ser revelado por Aiwass a Ankh-f-n-khonsu 370 anos mais tarde.

IV

O poderoso espírito de Alcofribas Nasier [Rabelais] estava ciente do fogo profético de seu livro imortal?

Felizmente ele não nos deixou dúvidas sobre este ponto; pois ele não se contentou em ter criado em parábola aquela Abadia de Thelema que sua ávida contemplação previu do abismo negro daquelas Eras ainda não trilhadas pela Estrela da Manhã do Renascimento, e anunciada vagamente pela Cauda do Loboda Reforma.

Ele prosseguiu se envolvendo nas brumas da fala oracular, para fulminar sua luz através dos provérbios obscuros, para vestir a beleza nua de seu pensamento que penetra o Tempo nos paramentos sagrados da profecia.

O leitor de hoje em dia precipitado das águas límpidas de sua alegoria para os abismos sombrios de canção sibilina e subterrânea, fica realmente aterrorizado quando, após repetidos esforços em penetrar o mistério de seus versículos, percebe o esboço de formas turvas - e as reconhece, com algum terror, como as imagens dos eventos desta recente geração da raça humana!

Escrevendo durante um período em que o Divino Direito dos Reis sob o Supremo Governo de Deus Todo-Poderoso ainda não havia sido desafiado, Rabelais descreve a ascenção da Democracia. Pessoas preguiçosas, ele escreve, agitarão o conflito social, de tal modo que eventualmente destrua todas as relações adequadas entre as classes e os indivíduos. O ignorante terá tanto poder político quanto o instruído. As pessoas mais maçantes e estúpidas serão encarregadas com o governo.

Exatamente como vêmos hoje! Pois genuínos trapaceiros são suficientemente raros nos governos; capacidade real, até mesmo para a desonestidade, é desnorteada pela nossa maquinaria política. Um homem esperto precisa pelo menos fingir ser estúpido para alcançar e agir com densa imbecilidade para manter seu lugar entre os regentes do mundo. Tão logo ele seja suspeito de possuir até mesmo uma fagulha de inteligência o rebanho desconfiará dele, o derrubarão de seu pedestal, e o pisotearão até a morte entre seus cascos!

O estilo da profecia neste momento se torna impenetravelmente obscuro; é difícil descobrir qual processo exato Rabelais descreve como o significado da catástrofe terrestre que culmina em revolução universal. Mas, no auge do horror, o Mestre se torna admiravelmente lúcido em sua descrição do relâmpago vingativo que o Destino preparou para a salvação da espécie.

Uma grande chama irá surgir, ele diz, e colocará um fim a este dilúvio. Que referência mais clara poderia ser desejada para o Aeon de Hórus? Hórus não é a "Força e Fogo", o inimigo vitorioso das águas negras do Nilo? TO MEGA THERION não é a Grande Besta Selvagem, o Leão do Sol, o destinado conquistador de ΙΗΣΟΥΣ, o Peixe?

E assim finalmente os eleitos, os auto-proclamados filhos da Liberdade, virão pelo que é deles, e os falsos escravos da Restrição serão despidos de seus espólios patifes, seus grandes montes de lixo estúpido, e se colocarão ems eu próprio luga como escravos dos verdadeiros Homens da raça. O grande Magista de Touraine também não para em qualquer mera identificação simbólica; ele indica o Mestre Therion pelo nome! O último verso de seu oráculo corre assim:

O qu'est a reverer
Cil qui en fin pourra perseverer!

[Quão louvável é ele
que perseverou até o fim!]

Ele que está apto a perseverar até o fim, ele insiste, deve ser abençoado com devoção. E o que seria este eu perdurarei até o fim senão PERDURABO, o mote mágico da primeira iniciação de Mestre Therion?

V

Soberbo como é este prenúncio da Lei de Thelema por Rabelais com sua Expressão "Fais ce que veulx", O Livro da Lei nos dá mais - ele nos dá "tudo na luz clara".

Através de "Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei", nós possuimos uma verdade mais profunda para o estudante forte, uma técnica mais detalhada e precisa para o Aspirante praticar: "A palavra da Lei é θέλημα". Na análise desta Palavra deve ser encontrada a chave-mestra de todo teorema e todo problema do dia. Ali repousa velada do profano mesmo que aberta ao consagrado, a prova da natureza do Próprio Aiwass, de sua superioridade em inteligência para com qualquer ser humano. A doutrina inteira do Universo, a solução de toda equação de Ontologia, é dada através dali? Assim também ele revela completamente um vários mistérios da Ciência. Eu suponho que a minha pesquisa ainda não revelou nem um décimo de suas maravilhas; mas chegou a hora de desvelar quais verdades eu descobri nisto. Elas deverão servir tanto como uma garantia de minha obra, quanto como o depósito (ao incansável buscador da sabedoria) de mais recompensas  - que deverão ultrapassar a minha mais sagrada imaginação!

VI

[Crowley comentou que esta seção estava em forma de rascunho]

O Universo = 0 (ou não seria completo). Mas 0 = 1 + (-1).

(0 = 2) = Magia = a Vontade de Viver.

(2 = 0) = Misticismo = a Vontade de Morrer. 

"Todo homem e toda mulher é uma estrela". (Uma estrela é uma identidade individual; ela irradia energia, ela se move, ela é um ponto de vista. Seu objetivo é se tornar o todo através do estabelecimento de relações com as outras estrelas. Cada tal relação é um Evento: é um ato de Amor sob Vontade.)

Amor = 1 + (-1) = (α) 0 e (β) 2.

Isso é expresso por

MãePai
הי
Filho (=2)
ו
Filha (=0)
ה

Esse processo se repete perpetuamente. Um Evento é a coisa ultimal no Universo: é a conjunção de um Indivíduo com uma Possibilidade. Cada (I + P) é único e infinito; assim também é cada Evento [Cf. Berashith sobre o valor do 0 ao poder 0]. O Indivíduo é medido pelo número e importância dos Eventos pertencentes ao seu crescimento; isto é, ao número de Possibilidade que ele completou.

I + P sempre = 0, tal sendo um termo em uma série = אφ. Como a série é homogênea, eles são indestinguíveis, Iα de Iβ, etc.; não existem eixos de coordenadas. Mas os Eventos teoricamente são distinguíveis: Eα = IaPβ, Eb = IβPα, etc., de tal forma que assim que pudermos definir um Indivíduo da Segunda Ordem [como] I ao poder de I, alguém ao qual pertence os Eventos Eα, Eβ, etc., nós podemos ter uma distinção prática entre os Eventos; isso nos dá a idéia de "Eventos de Segunda Ordem" E'. Assim E'α não é E'β, apesar de que ambos sejam compostos de elementos idênticos - ao menos indistinguíveis. Todas as relações não tem sentido nelas mesmas; mas uma relação pode ser contrastada com outra. O Ego cresce pelo estabelecimento de relações com outros pontos de vista, e absorvendo-nos: consequentemente, quanto maior o Ego, menor o senso de Personalidade. O Universo é um conjunto de Eventos; eles não existem, eles acontecem [Cf. o elétron, que não tem massa, mas é uma carga elétrica]. Ele é um fenômeno dinâmico, não estático. Qualquer estase é uma definição meramente temporária. A Lógica descreve o processo do Pensamento, que é a essência da Ação. A Matemática é a linguagem da Lógica. Um homem precisa pensar em si mesmo como sendo um ΛΟΓΟΣ, como uma idéia móvel, não fixa. "Faze o que tu queres" é então necessariamente a sua fórmula. Ele apenas se torna Si Mesmo quando atinge a perdade da Personalidade, do sentido de separação. Ele se torna Tudo - ΠΑΝ - quando ele se torna Zero. Perceba que os Eventos podem ser considerados por conveniência em um ou todos de três modos de projeção: (α) como estendido no espaço; (β) como estendido no tempo; (γ) como casualmente conectado. Estas são as formas de (α) sensação; (β) consciência do movimento; (γ) razão.

O Universo é um Ato de Fé.

Sua Realidade é um Ato de Amor.

Os Homens têm receio da Felicidade, sabendo que ela não pode perdurar; mas os outros animais - e os Homens Sábios - aceitam as coisas como elas são.

O casamento é a camisola do Amor.

A Arte e a Ciência consistem da seleção, arranjo e apresentação de fatos de tal forma que ilustrem algum aspecto da Verdade.

A Lei é o cadáver da Justiça.

A Moralidade é o cadáver da Conduta.

A Religião é a carcaça do Medo.

A Felicidade é o estado mental resultante da concretização livre de um papel.

Um homem santo é alguém que não é amarrado por desejos comuns.

Uma prostituta é alguém que é obrigada a lidar com indivíduos como membros de uma classe, ob pecuniam [L. "em troca de dinheiro"].

Todas as provas demonstram, sob exame, ser definições. Todas as definições são circulares. (Pois A = BC, B = DE . . . W = XY, e Y = ZA.)

Considere a proposição: o Pensamento é possível.

Realismo = um Romantismo forte o suficiente para adorar as coisas como elas são.

O verdadeiro Artista ama todas as suas figuras igualmente.

Castigo: aumento de sensibilidade às custas do controle.

Reduza a proposição lógica A a 2: assim A e E são os casos extremos de 1 e 0, como o círculo é da elipse:

Diagrama

finis


Traduzido por Alan Willms

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