Silêncio

Este artigo é um capítulo de Pequenos Ensaios em Direção à Verdade

Sobre o Senhor do Silêncio e a Perfeição

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Silêncio

De todas as Virtudes Mágicas e Místicas, de todas as Graças da Alma, de todas as Consecuções do Espírito, nenhuma foi tão mal interpretada, até mesmo quando apreendida, do que o Silêncio.

Não seria possível listar os erros comuns: não, pode-se dizer que pensar nisso é em si mesmo um erro; pois sua natureza é Puro Ser, ou seja, Nada, de forma que está além de toda intelecção ou intuição. Portanto, no máximo nosso Ensaio pode ser apenas uma certa Vigilância[1], como se fosse um Telhamento da Loja onde o Mistério do Silêncio pode ser consumado.

Para essa atitude, existe uma autoridade tradicional sólida; pois Harpócrates, Deus do Silêncio, é chamado de “O Senhor da Defesa e da Proteção”.

Mas a natureza Dele não é de forma alguma aquele silêncio negativo e passivo que a palavra comumente conota; pois Ele é o Espírito que Tudo-Vaga; o Puro e Perfeito Cavaleiro Errante, que responde a todos os Enigmas, e abre o Portal Fechado da Filha do Rei. Mas o Silêncio no sentido vulgar não é a resposta ao Enigma da Esfinge; é aquilo que é criado por aquela resposta. Pois o Silêncio é o Equilíbrio da Perfeição; de modo que Harpócrates é o omniforme, a Chave universal para todos os Mistérios, sejam quais forem. A Esfinge é a “Puzzel ou Pucelle”, a Ideia Feminina à qual há apenas um complemento, sempre diferente na forma e sempre idêntica em essência. Este é o significado do Gesto do Deus; é mostrado mais claramente em Sua forma adulta como o Louco do Tarô e como Baco Diphues, e sem equívocos quando Ele aparece como Baphomet.

Quando investigamos mais de perto Seu simbolismo, a primeira qualidade que chama nossa atenção é, sem dúvidas, Sua inocência. Não é sem profunda sabedoria que Ele é chamado de gêmeo de Hórus; e este é o Êon de Hórus: foi Ele quem enviou Aiwass Seu ministro para proclamar o advento deste. O Quarto Poder da Esfinge é o Silêncio; para nós, então, que aspiramos a este poder como a coroa de nossa Obra, será de grande valor alcançar a inocência Dele em toda a sua plenitude. Devemos entender antes de tudo que a raiz da Responsabilidade Moral, da qual o Homem estupidamente se orgulha de distingui-lo dos outros animais, é a Restrição, que é a Palavra do Pecado. De fato, há verdade na fábula hebreia de que o conhecimento do Bem e do Mal traz a Morte. Recuperar a Inocência é reconquistar o Éden. Devemos aprender a viver sem a consciência assassina de que cada ar que inspiramos sopra as velas que conduzem nossas frágeis embarcações ao Porto do Túmulo. Devemos expulsar nosso Medo pelo Amor; visto que Todo Ato é um Orgasmo, seu resultado não pode ser nada senão Nascimento. Além disso, o Amor é a lei: portanto, todo ato deve ser Retidão e Verdade. Por meio de certas Meditações, isso pode ser compreendido e estabelecido; e isso deve ser feito tão completamente que nos tornemos inconscientes de nossa Santificação, pois somente assim a Inocência é tornada perfeita. Este estado é, de fato, uma condição necessária para qualquer contemplação adequada daquilo que estamos acostumados a considerar como sendo a primeira tarefa do Aspirante, a solução da questão: “Qual é a minha Verdadeira Vontade?” Pois, até que nos tornemos inocentes, certamente tentaremos julgar nossa Vontade por algum Cânone do que parece “certo” ou “errado”; em outras palavras, somos capazes de criticar nossa Vontade de fora, enquanto a Verdadeira Vontade deveria brotar, como uma fonte de Luz, de dentro, e fluir sem controle, fervendo de Amor, no Oceano da Vida.

Esta é a verdadeira ideia do Silêncio; é a nossa Vontade que sai, perfeitamente elástica, sublimemente Prótea, para preencher todos os interstícios do Universo de Manifestação que encontra em seu curso. Não há abismo grande demais para sua força incomensurável, nenhum estreito árduo demais para sua sutileza imperturbável. Ela se ajusta com perfeita precisão a toda necessidade; sua fluidez é a garantia de sua fidelidade. A sua forma é sempre diversificada pela imperfeição particular que encontra: sua essência é idêntica em todos os eventos. E o efeito de sua ação sempre é Perfeição, ou seja, Silêncio; e esta Perfeição é sempre a mesma, sendo perfeita, no entanto sempre diferente, porque cada caso apresenta sua própria quantidade e qualidade peculiares.

É impossível que a própria inspiração soe como um ditirambo do Silêncio; pois cada novo aspecto de Harpócrates é digno da música do Universo por toda a Eternidade. Fui simplesmente conduzido por meu Amor leal por aquela estranha Raça entre a qual me encontro encarnado para recitar esta pobre estrofe da infinita Epopeia de Harpócrates como sendo a faceta de Seu fecundo Brilho que refratou a luz mais necessária em minha própria Entrada sombria a Seu santuário de Divindade fulminante e inefável.

Eu louvo o luxuriante Arrebatamento de Inocência, o Êxtase viril e pantomorfo de toda a Realização; eu louvo a Criança Coroada e Conquistadora cujo nome é Força e Fogo, cuja sutileza e força asseguram serenidade, cuja Energia e Resistência realizam a Consecução da Virgem do Absoluto; que, sendo manifestada, é o Tocador da flauta sétupla, o Grande Deus Pã, e, retirando-se para a Perfeição que ele desejou, é o Silêncio.



  1. «Wardenship no original, uma referência aos Vigilantes (wardens) de uma Loja Maçônica.» ↩︎


Traduzido por Alan Willms

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