Quase tudo que sei sobre o Estudante

Este artigo é um capítulo de Quase Tudo que Sei Sobre a A∴A∴

O que eu gostaria de saber quando fui um candidato e depois um Estudante da Astrum Argentum, dedicado aos futuros Irmãos.

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Quase tudo que sei sobre o Estudante

Eu fui um Estudante terrível. A sério, cometi quase todos os erros que se pode cometer nesse estágio do caminho da Santa Ordem. Antes de entrar em detalhes sobre como desperdicei o tempo do meu Instrutor e principalmente o meu, um pouco sobre o Grau e sua história.


Contexto Histórico

Quando a Santa Ordem começou a operar através da roupagem do sistema Crowley-Jones em 1907 o “grau” de Estudante não existia. Grau aqui está entre aspas pois o Estudante é mais uma preliminar à admissão do Probacionista, quando o estudante de fato tomará um Juramento junto à Ordem sob instrução de um Irmão mais velho.

Como é de se esperar, isso permitia que pessoas totalmente ignorantes dos métodos místicos e mágicos, mesmo os mais elementares, tomassem o Juramento. Isso dificultava a comunicação entre Instrutor e Instruído, e não apenas colocava uma sobrecarga desnecessária sobre os Instrutores quanto reduzia a qualidade da Probação de tais candidatos. Em 1912, no editorial de The Equinox Volume 1, Nº 7 foi então instituído o “grau” de Estudante dos Mistérios nos seguintes termos:

Devido à tensão desnecessária lançada sobre os Neófitos por pessoas despreparadas, totalmente ignorantes do básico, prestando o Juramento do Probacionista, o Imperator da A∴A∴, sob o selo e pela autoridade de V.V.V.V.V., ordena que todas as pessoas que desejam se tornar um Probacionista da A∴A∴ devem primeiramente passar por três meses como um Estudante dos Mistérios.Ele deve possuir os seguintes livros: –

The Equinox, do Número 1 até o número mais recente. Raja Yoga, de Swami Vivekananda. O Shiva Sanhita ou o Hathayoga Pradipika. Konx Om Pax. O Guia Espiritual, de Miguel de Molinos. 777. Rituel et Dogme de la haute Magie, de Eliphas Levi, ou sua tradução, por A. E. Waite. A Goetia do Lemegeton do Rei Salomão. Tannhäuser, por A. Crowley The Sword of Song, por A. Crowley Time, por A. Crowley Elêusis, por A. Crowley [Estes quatro últimos podem ser encontrados em seu Collected Works.] O Livro da Magia Sagrada de Abramelin o Mago.

Um exame sobre estes livros será feito. O Estudante deverá demonstrar uma familiaridade completa com eles, mas não necessariamente compreendê-los em qualquer sentido mais profundo. Ao passar no exame, ele poderá ser admitido ao grau de Probacionista.

A esta lista, acrescenta-se em 1913 no Equinox 1–9:

O Livro da Magia Sagrada de Abramelin o Mago. O Tao Te Ching e Os Escritos de Chuang Tsu (Sacred Books of the East, Vols. XXXIX, XL).

O que é o Estudante dos Mistérios?

Um estudante, por definição, é alguém que através de exposição a um assunto adquire ou amplia seus conhecimentos. No caso particular da Astrum Argentum, é esperado que o Estudante adquira um conhecimento intelectual generalizado sobre os mais variados sistemas de realização.

Espera-se que o Estudante dedique no mínimo três meses a este assunto. Este período pode se estender por quanto tempo for necessário, até que o Estudante se sinta pronto para solicitar o exame que dará admissão ao grau de Probacionista.

Desperdicei muito mais que três meses, divididos em duas fases. Na primeira, enrolei o máximo possível para começar a me dedicar às leituras dando as mais diversas desculpas para mim mesmo. Cansado demais, ocupado demais, mas sempre com tempo para assistir videos na internet, jogos eletrônicos, redes sociais, etc. É óbvio que durante esse período, fui um estudante só no nome, já que não estudei nada.

Na segunda fase, quando finalmente eu decidi sair do lugar, engoli os livros apressadamente, lendo sem absorver, correndo para chegar logo no final de cada livro, para ter direito de pedir o teste. Perceba que não defendo que você precisa se delongar mais do que o necessário, mas você perderá muito se entender o período de Estudante como um mero obstáculo a ser superado.

Essa mentalidade em que se visa chegar ao final sem aproveitar o processo tem se tornado cada vez mais comum: O indivíduo acorda, faz sua higiene no automático, come apressado para ir trabalhar. Vai pro trabalho focado só em chegar lá e não vê o caminho. Trabalha só para terminar o expediente e receber o salário no final do mês. Volta para casa sem prestar atenção em nada no caminho de volta, ansioso por chegar. Se alimenta quase sem saborear a comida, assim mata a fome e fica “livre” para relaxar. Se distrai até a hora de dormir. Repete por uma vida inteira pra se aposentar. Chega ao fim da vida sem ter vivido. Tá com pressa por que? No final da vida o que te espera é a morte. A morte pode ser legal, pode ter algo além, não sei. Mas enquanto não chega, aproveita o que você tem.

No grau de Estudante, essa mentalidade se traduz em ler os livros de forma irrefletida, absorvendo quase nada, entendendo menos ainda. Tudo são teorias que ele é capaz de repetir como um papagaio, mas delas ele quase não tira proveito. Essa tendência não para por aí. Vemos Probacionistas que cumprem seus afazeres mecanicamente apenas para se tornarem Neófitos. Neófitos que realizam seu trabalho apenas para chagar a Zelator, e assim por diante.

Não devemos confundir o aproveitamento da experiência com perda de tempo — o que era meu caso como narrei acima. O problema não é gasto de tempo, mas desperdício de experiência. Se tu vai de casa para o trabalho, tu vai ter que passar pelo trajeto, seja dirigindo, andando ou correndo. Se tu vai aproveitar a experiência do trajeto em qualquer uma das modalidades, ou passar por ele como mero obstáculo, é disso que estou falando. Ignorar a experiência do trajeto pensando só na chegada não economiza o tempo gasto — que será o mesmo tu aproveitando ou não o processo- e só desperdiça a experiência.

O Estudante deve estudar afim de que através de um entendimento abrangente, ainda que sem profundidade, consiga se comunicar adequadamente com o Instrutor sem que este precise explicar conceitos básicos em cada conversa. Quanto mais abrangente for a base do Estudante, mais fácil será a comunicação, e com mais qualidade ele navegará pelas experiências da Probação. Uma pirâmide pode se elevar com equilíbrio tanto quanto suas bases sejam amplas.


Expectativas

Algumas vezes, quem se aproxima da Ordem o faz com expectativas totalmente irreais. Imaginam que ao entrarem em contato com a Ordem, automaticamente receberão atenção exclusiva de um “Instrutor para chamar de seu”, disponível para respondê-lo quando quiser, sobre quaisquer temas — e nos casos agudos de expectativas irreais, imaginam que receberão riqueza, poder, saúde, amor e influência dados como que por um gênio da lâmpada. Não é papel do Instrutor resolver os seus problemas.

O Instrutor também não é um professor. Ele não te dará aulas, e não tem nem dever nem motivo de responder questionamentos que podem ser sanados usando uma mistura de leitura, ponderação e bom senso. Definitivamente ele não é seu assistente pessoal, então evite pedir por algo que possa ser encontrado no google. Ainda assim, alguns instrutores vão além de seu dever e facilitam bastante o caminho do Instruído, que ao invés de comprar os livros ou ao menos pesquisar pro eles no google, encontram tudo centralizado em um único link, como este oferecido pelo Fr. Ad Astra. (Obrigado Mano, esse link tem sido muito útil.)

O Instrutor também não é seu amigo. Não quero dizer que com o tempo uma amizade sincera e verdadeira não possa surgir — e quase sempre surge! — mas o simples fato de um Instrutor entrar em contato contigo não quer dizer que você criará automaticamente um vínculo desse nível com ele. Amizade vem com o tempo, com a convivência. Não force a barra.


Ansiedade e carência

Outra ocorrência comum é expectativa com o tempo de resposta. Instrutores são indivíduos que lidam com suas profissões, estudos, família, vida pessoal, seu próprio trabalho iniciático e em alguns casos tem dezenas de Instruídos sob sua orientação. Eles atendem aos candidatos e a seus instruídos sem receber qualquer vantagem financeira ou pessoal.

Pode ser que ele demore tanto para lhe contactar pela primeira vez — enquanto escrevo este artigo, a fila de contatos aguardando resposta contém 570 mensagens — quanto nas mensagens subsequentes. Isso não é de forma alguma impedimento para que você já esteja estudando a bibliografia recomendada.


Falta de compromisso

Muito se fala sobre a quantidade enorme de candidatos há meses — ou até anos! — esperando uma resposta, mas pouco se fala daqueles que são respondidos, mas logo que vêem a necessidade de dedicação de seu tempo e esforço, simplesmente somem, ou empurram o trabalho com a barriga para ressurgir tempos depois interessado em graus sem dar qualquer amostra de trabalho sério.

Quando consultei alguns Irmãos a respeito do que ele considerariam útil falar aqui, esta foi a resposta que recebi de Fr. A. H., e que transcrevo na íntegra:

Irmão, eu não vejo problemas no sistema em si. Acredito que problema, se podemos chamar assim, é que o sistema é antigo e exige esforço, vontade e muita leitura. Hoje, muitas pessoas que entram em contato querem uma fórmula pronta, um atalho. Querem que as informações brotem sem muito esforço, como digitar no google ou falar no whatszap. Então o que acontece? Elas entram em contato e nós mostramos o caminho, tiramos as dúvidas, mas depois quando elas recebem o Curriculum e entram para a classe dos estudantes simplesmente perdem o contato. Eu particularmente me ofereço pra ajudar por pelo menos 3 vezes, e avalio a recepção, mas na maioria dos casos as pessoas desaparecem. Alguns voltam anos depois e em poucas palavras descobrimos que ela não fez nada, porque recebe o teste e desaparece novamente, ou não responde mais.

Em suma, temos um sistema antigo e tradicional - que não está errado- mas por outro lado temos uma superficialidade em tudo. Querem tudo pronto à palma da mão.

Mas como em tudo é questão de pessoas, diferenças, particularidade, etc. O sistema pode ser perfeito, mas as pessoas são pessoas. Da minha parte é a única observação que tenho.


Papel do instrutor

Enquanto estudante, o que você pode esperar do seu Instrutor é que ele lhe informe os trâmites quando houverem, lhe informe qual a literatura recomendada, e após no mínimo três meses, lhe teste para o próximo passo. Pessoalmente, digo aos meus Estudantes que devem trazer até mim as questões que após reflexão e pesquisa, ainda estejam terminantemente fora de suas capacidades. Às vezes a questão extrapola o que se espera deste estágio preliminar, caso em que eu lhe informo que esse assunto será discutido mais a frente.

Claro, se após várias tentativas de contato ao longo do tempo você sentir que seu Instrutor te abandonou, você pode sim comunicar a este que devido a falta de comunicação não é mais sua vontade permanecer sob instrução do mesmo, e entrar em contato com outro Instrutor ou caso tenha entrado em contato através de um site na Internet ou algo do tipo, enviar uma mensagem para lá explicando sua situação. Nenhum Instrutor é obrigado a receber um Instruído, mas caso o faça, espera-se que esteja pronto para dar prosseguimento na Instrução, sem atravancar o avanço do nosso futuro Irmão.

Aconselho enfaticamente aos Irmãos que escolheram se colocar na posição de Instrutores que dediquem carinhosa atenção aos candidatos, nossos futuros Irmãos. Como crianças, eles às vezes podem ser inconvenientes, ansiosos, carentes e sem compromisso, mas lembre-se de que você provavelmente foi assim um dia. E sobretudo, se você livremente escolheu a responsabilidade de instruir, sugiro que cumpra esse trato com sua alma da melhor maneira possível.


Contato com a corrente

Durante o período de Estudante, o indivíduo não toma quaisquer Juramentos com a Ordem. Qualquer termo de compromisso e dados solicitado visa apenas cumprir burocracia e melhorar a eficiência do processo.

Ainda assim, a experiência mostra que por mais superficial que seja a proximidade da Ordem, certos indivíduos raríssimos, possuidores de sinceridade excepcional, desde já começam a se harmonizar com a corrente da Ordem, seja a nível intelectual, emocional e/ou de ideais. Estes poderão notar alguma mudança na sua percepção de si mesmo e do mundo, o que ainda assim não garante direito a qualquer avanço prematuro.

O Instrutor tem como principal papel garantir a qualidade do seu avanço, e por mais que o Estudante possa obter algum resultado previamente ou durante o período designado, ele ainda assim deverá cumprir o período mínimo de três meses e se submeter ao teste do Instrutor. Se seu coração é sincero, não há o que temer. “O sucesso é o fracasso e o precursor do fracasso. A coragem é o início da Virtude”.


Preciso comprar os livros?

O que você precisa é ter os livros para estudo e pronta consulta. A grande maioria das pessoas que conheço acham mais fácil e confortável estudar e consultar livros de papel. Pessoalmente prefiro os formatos digitais.

Outra vantagem dos livros físicos é que você estará investindo neles. Quanto mais você se dedica a algo, seja seu tempo e esforço, ou dinheiro que veio de tempo e esforço, mais forte o elo psicológico com aquilo. É mais fácil deixar para lá o estudo de algo que não te custou nada, do que aquele na qual você se investiu.

Mais uma vantagem deles é que caso falta energia, ou você fique sem seu PC ou celular, isso não será desculpa para deixar de estudar. Resumindo, me parece que adquirir os livros aumentam suas chances de fazer aquilo que precisa fazer. Se optar pelos digitais, recomendo este link, disponibilizado pelo Fr. Ad Astra.


Obrigações o Estudante

Nenhuma. Zero. Nada. Por se tornar Estudante da Astrum Argentum, você decidiu por conta própria que aquilo que é esperado do Estudante, e aquilo a que esta etapa conduz te contemplam. É uma questão de bom senso que você se dedique. Que fique claro que ainda assim, nenhum tipo de conduta, código de ética, moralidade, obrigação de qualquer tipo, dinheiro, em suma coisa alguma poderá ser cobrado de você.

Próximo de finalizar este artigo um Irmão compartilhou um print em que um Estudante questionava em um grupo público se era apropriado pedir ao Cancellarius (secretário e arquivista) da A∴A∴- que por sinal é um cargo “opcional” e cada grupo que escolhe tê-lo tem o seu próprio — uma pausa do período de Estudante para se dedicar ao trabalho de outra Ordem.

Você não precisa e nem deve tomar o tempo do Cancellarius nem do seu Instrutor, que já estão muito ocupados por sinal. Você é livre para fazer ou não o que você quiser, quando quiser. Ser Estudante não muda isso.


O Objetivo

A finalidade deste período não é formar um especialista em qualquer ramo de conhecimento ou prática específica, mas alguém de ampla base teórica, que saiba se virar quer no estudo ou no diálogo de assuntos referentes a magia e misticismo do oriente ao ocidente; independência, autodidatismo, bom senso, capacidade de pesquisa, etc. Escrevo este texto na esperança de que ele possa facilitar o caminho dos candidatos. Torço para que em breve possam transpor com qualidade esse período, colhendo dele amadurecimento e se tornando não em título, mas em verdade, um Irmão da Ordem da Estrela de Prata.


Perguntas e Respostas

P. Eu gostaria de saber de qual linhagem da AA você é e se é comum ter que assinar um termo de compromisso nesse início. — D.R.S.

R. Sobre linhagens e sua importância, recomendo este excelente video do Alan Willms a respeito. Respondendo a pergunta: Therion (Crowley) > AMAG (Israel Regardie) > Uranus (Gerald Suster) > Alion > Aureus > B. > F. (Eu). Por questão de discrição prefiro informar apenas o mote sem o nome daqueles que ainda estão vivos. Quanto ao Termo de Compromisso, é prática comum na linhagem da qual faço parte, e visa evitar a entrada de menores de idade e de pessoas que já estejam sob outra instrução.


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Se tem dúvidas com relação a A∴A∴ ou sugestão de temas sobre os quais gostaria que eu escrevesse, envie através do formulário abaixo. Caso não expresse claramente o nome pelo qual deseja ser citado, sua pergunta ou sugestão será publicada anonimamente. Tanto a pergunta quanto a resposta serão publicadas aqui (caso seja sobre o Estudante) ou em futuros artigos conforme o tema, para que possam ser úteis para outros no futuro.

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