Uma Declaração Sobre Thelema

Da ampliação do nosso Universo pessoal.

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Uma Declaração Sobre Thelema

Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.

O Universo é a concretização e a soma total de todas as possibilidades. De fato, pode-se quase dizer que esta seja sua definição.

Um ser consciente — ou seja, um centro de consciência individual, uma Mônada — não consegue possuir quaisquer qualidades em si. Sua ideia de existência, não apenas a do Universo, como também de si mesma, evidentemente depende de e coincide com os conjuntos de possibilidades que ela experimentou. Aquela parte do Universo que ainda não entrou em sua esfera de experiências não tem existência para ela. É como se fosse um novo mundo — um universo aguardando ser descoberto.

Portanto, cada ser consciente precisa diferir de todos os outros por virtude de sua posição no universo — não uma posição de latitude e longitude, não uma posição de tempo e espaço, mas sim uma posição de grau ou de estado de consciência — de ponto de vista. Sua identidade, de maneira semelhante, precisa necessariamente ser uma de pura negação. O valor de qualquer ser é determinado pela quantidade e pela qualidade daquelas partes do universo que ele descobriu, e que, portanto, compõe sua esfera de experiências. Ela cresce através da extensão desta experiência, ampliando, por assim dizer, esta esfera.

No caso de dois seres possuírem pouca ou nenhuma experiência em comum, a compreensão mútua é claramente impossível. Desta forma, a simpatia é vista como sendo mais uma questão de experiência sendo aproximadamente contígua, ou pelo menos coincidente no que diz respeito a uma proporção grande das experiências às quais valor especial é atribuído por ambos. O verdadeiro valor de qualquer nova experiência é determinado por sua capacidade de aumentar a soma total de conhecimento, ou o grau de compreensão e iluminação que lança sobre as experiências prévias.

Então, como uma regra geral, quanto maior for a soma das experiências coincidentes de quaisquer dois seres, maior é a probabilidade de seu acordo geral. Desta forma, como em determinado ponto de seu desenvolvimento um ser tem grandes chances de considerar qualquer desacordo com ele como sendo definitivamente um erro, e é um estágio extremamente importante no progresso alcançar uma atitude de mente habitual que percebe que qualquer visão divergente de uma dada questão não se deve a obliquidade moral, mas a uma maior variedade de experiências assimiláveis. Tais indivíduos crescem de um modo muito especial quando eles aprendem a acolher pontos de vista divergentes e experiências contrárias, e buscam assimilá-las, compreendendo que esta é a melhor maneira possível de adquirir em um único golpe uma imensidade de novas experiências ao invés de ter que passar por elas em detalhes.

Deveria estar claro a partir do que foi exposto que a Lei de Thelema “Faze o que tu queres” deve ser uma regra lógica de conduta para qualquer um que aceite as premissas acima, pois a derradeira Vontade de todo ser consciente deve ser aumentar sua experiência geral desta forma, de modo a compreender e conhecer a si mesmo, o que ele só pode fazer através do estudo e da compreensão de todo o universo. Esta tarefa não tem um fim, mas isso não é nenhum detrimento para este processo, apenas o torna ainda mais interessante. É o caminho do Dao. Uma finalidade o saturaria.

Então agora, no que diz respeito à explicação da Lei dada noutra parte no Livro da Lei “Amor é a lei, amor sob vontade”, enquanto a vontade, conforme demonstrado acima, é de validade absolutamente lógica e ética, só pode ser executada pelo processo de assimilação de todos os elementos alheios, ou seja, por amor. Recusar-se a unir-se a qualquer fenômeno, seja qual for, é privar-se de seu valor — até mesmo da própria vida, como no caso dos Irmãos Negros, enclausurados no Abismo, e condenados à desintegração consciente no reino das ideias e experiências desconexas, para perecerem com os cães da razão. Esta recusa só ocorre quando se está convencido de que o novo fenômeno é hostil para com o conjunto de experiências já adquirido e tornado parte de si. Mas é uma séria marca de imperfeição, de grave fracasso em compreender os fatos do assunto, assumir tal atitude. Mesmo se supormos, por um breve momento e apenas para fins de argumentação, que a nova ideia sob consideração seja tão incompatível com as experiências já adquiridas e assimiladas que a destruição das mesmas seja necessária para que esta nova ideia seja aceita, então um fato se sobressai vividamente, mostrando claramente que o antigo conjunto de experiências é tão imperfeito que é inadequado para continuar sua outrora existência; sua destruição seria vantajosa para aquele ser, permitindo uma reconstrução sob linhas completamente diferentes — uma construção que se emprestaria mais prontamente à aquisição de novas experiências e ideias aparentemente contraditórias.

É claro, é desnecessário dizer que na verdadeira prática é necessário usar de seu próprio julgamento ao escolher o fenômeno que se propõe a assimilar a seguir. Uma pessoa não deveria dar um tiro em si mesma ou em outra pessoa por mera curiosidade. O direito de escolha está com o indivíduo. Ao mesmo tempo, deve ser lembrado que “a palavra de Pecado é restrição”. Nenhum outro indivíduo tem qualquer direito de determinar ou restringir a escolher de outro exceto em tais casos onde a experiência de um inclui, para todos os fins práticos, a experiência de outro; como no caso de pais e crianças pequenas. Também há vários outros casos onde a livre escolha do indivíduo precisa ser restringida na medida em que aquela escolha desimpedida poderia interferir com os iguais direitos de outros. Mas isso não é de modo algum uma questão abstrata de certo e errado, mas um assunto de política prática.

A frase “amor impiedoso”, de vez em quando atirada desdenhosamente na cara dos thelemitas, embora não ocorra no Livro da Lei, tem certa justificativa. Piedade implica dois erros muito graves — erros que são completamente incompatíveis com as visões do universo indicadas brevemente acima.

O primeiro erro ali é uma suposição implícita de que há algo errado com o Universo, e que além disso se está tão insidiosamente obcecado com o Trance do Sofrimento que se falha completamente na tarefa de resolver o enigma do Sofrimento, e segue a vida com o gemido de um animal machucado “Tudo é Sofrimento”. O segundo erro é ainda maior, pois envolve o complexo do Ego. Ter pena de outra pessoa implica que você é superior a ela, e você falha em reconhecer o direito absoluto dela de existir como ela é. Você se impõe como superior a ela, um conceito completamente oposto à ética de Thelema — “Todo homem e toda mulher é uma estrela” e cada ser é uma Alma Soberana. Portanto, uma breve reflexão será suficiente para mostrar o quão completamente absurda qualquer atitude do tipo é, no que diz respeito aos fatos metafísicos subjacentes.

“... pois há amor e amor. Há a pomba e há a serpente”. Simpatia, obviamente, é o estado mental mais correto, pois é um amor piedoso envolvendo na verdade uma identificação de si com o outro; portanto esse é um ato de amor verdadeiro. “Não há laço que possa unir os divididos senão o amor”.

Se traduzirmos a palavra grega em latim e dissermos “compaixão” ao invés de “simpatia”, o processo de degeneração da linguagem nos dá uma conotação falsa. Devemos nos lembrar de que a palavra grega “pathein” não significa necessariamente sofrer no mesmo sentido etimológico de “sub fero” que implica inferioridade e, portanto, pena. Sobre compaixão, não está escrito que “Compaixão é o vício de reis”?

Amor é a lei, amor sob vontade.


Traduzido por Alan Willms

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