O Caminho do Amor Thelêmico: Parte 2

Este artigo é um capítulo de O Caminho do Amor Thelêmico

Como encarar toda experiência como uma forma de comunhão com o Anjo.

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Parte 2

Em Uma Estrela à Vista, Crowley sugere que o Adepto seja um mestre de todos os tipos de Magia. Ele afirma que alguns iniciados gostam de focar em habilidades que eles consideram fáceis e ignoram as habilidades que são mais difíceis. Vamos aplicar essa ideia das habilidades mágicas para as habilidades da vida. O que você pode aprender sobre si se você foge de um dado assunto, responsabilidade ou ideia? Crowley escreve que “o desgosto e desdém [pelo assunto] é evidência de uma fraqueza ou incompletude na natureza que o rejeita…” Quando você se depara com um assunto difícil, o ego diz: “Vish! Isso toca na minha ferida! Eu não quero saber onde eu sou fraco e desequilibrado, só quero continuar meu caminho feliz, fazendo as coisas que eu gosto e são fáceis”.

Alguns assuntos são difíceis devido a limitações intelectuais ou físicas. Outros são muito mais sutis. Por exemplo, vocês já têm familiaridade com a questão das projeções1, onde você projeta os seus próprios desequilíbrios negados em cima de outras pessoas; ou quando você espera que os outros pensem e ajam do jeito que você faria. Ao invés de acender a luz do intelecto sobre si para trabalhar em cima de um complexo, você o renega e o projeta em outra pessoa; ou quando você não está deixando o outro viver de acordo com a Lei de Thelema2. O processo de projeção frequentemente ocorre de maneira subconsciente, desta forma nós fazemos isso o tempo todo, com os efeitos silenciosamente enrijecendo as camadas do nosso khu. Lembre-se de que estes desequilíbrios são uma parte necessária da encarnação e são coisas que precisam estar equilibradas e ser resolvidas antes que o Anjo possa se manifestar. Mas nós precisamos da luz do autoconhecimento para revelá-las. Este é objetivo do trabalho da A∴A∴ na Externa.

Então o primeiro passo é o autoconhecimento. «…»3 você percebe que o cerne do trabalho é interno. É trazer à sua percepção autoconsciente aquilo que previamente era subconsciente ou tomado por certo. Você não consegue saber no que precisa trabalhar sem revelar estes desequilíbrios. Este é o aspecto mais difícil do trabalho. Estudos subsequentes tratarão da tecnologia mais avançada necessária para endereçar estes problemas.

O próximo passo é adquirir a atitude correta. Para alguns de nós, essa é a parte mais difícil e teoricamente pode levar muitas vidas para ser feito. Swami Prapannananda, que é o chefe da Vedanta Society de Sacramento e foi quem me iniciou no Vedanta, disse que a “espiritualidade é uma atitude”. Existem muitas atitudes que agem como construtos para compreender a realidade de um modo que é mais próximo da Natureza4. Em Thelema, a atitude/construto é que toda experiência é uma apreciação da sua alma pelo Anjo; toda experiência é um encontro com o SAG e com o Universo dando-lhe uma chance de resolver seus desequilíbrios e te trazer um passo mais próximo daquele Objetivo que você jurou alcançar. Se você acha que isso soa um pouco fatalista demais, não se preocupe; há um motivo.

Crowley escreveu que nós temos que equilibrar nossas paixões. Vamos definir paixões como as reações compulsórias a estímulos externos e internos. Crowley escreve que as paixões são tão poderosas e compulsórias que frequentemente elas são confundidas com manifestações da Verdadeira Vontade. Mas na verdade elas são “apetites doentios, manifestados em nós através de um treinamento prévio falso”. Novamente, voltamos à necessidade do autoconhecimento. Você precisa descobrir que reações você tem a certos estímulos que são um produto de condicionamento, seja feito pelos seus pais quando você era jovem, ou por si mesmo como resultado de interpretações errôneas ou rejeição de experiências5. Não assuma que qualquer reação sua seja garantida, pois você encontrará nelas a chave para muitos dos seus próprios mistérios.

Certas paixões se desenvolvem e surgem como resultado da rejeição das experiências que o Anjo nos apresentou. A rejeição restringe a Verdadeira Vontade e contribui para mais sofrimento, desequilíbrio e complexos. Usando matemática básica: ela represente a tendência de uma dada paixão de se manifestar como +1 e a experiência indesejada como -1. Se você rejeitar a experiência, você cria a fórmula (+1 - (-1)); o resultado é 2. Portanto, quando você rejeita experiências, literalmente se subtraindo das mesmas, a dualidade e o sofrimento permanecem. Nós só fracassamos na Obra quando nós rejeitamos experiências. Quando fazemos isso, rejeitamos o trabalho da função compensatória do Poder da Criança; e nós perdemos uma oportunidade de nos unirmos com o Anjo. Soror Meral escreveu sobre as consequências de rejeitar experiências. Ela escreveu “…todo evento tem relevância no trabalho das forças evolutivas. O truque é aprender igualmente com todas as experiências, de modo que se possa progredir para estados cada vez mais altos de consciência e espiritualidade. Se uma pessoa se opor a estes processos de aprendizado nos eventos… eles voltam repetidamente através de muitas vidas até que a pessoa possa receber a mensagem de seu próprio Khabs…”6.

“O truque”, diz ela, “é aprender igualmente de todas as experiências”. Nós não conseguimos aprender se não estivermos abertos a isso. Nós não conseguimos aprender se não aceitarmos o fato de que temos problemas e precisamos seguir em frente e lidar com eles. Esta aceitação é uma transparência consciente. Conscientes de que estamos pensando e agindo deliberadamente e com atenção plena. Transparentes no sentido de que nós nos oferecemos como receptáculos à Serviço do Self Uno (aliás, a única oferenda aceitável que podemos dar). Estas são qualidades atribuídas a nada mais que o Atu do Magus; um arquétipo do Adepto perfeito que tornou a si mesmo em um canal receptível e transparente para as forças do Sagrado Anjo Guardião. O Magus manipula de maneira divertida e habilidosa seu corpo, mente, emoções e vontade, a serviço da Verdadeira Vontade.

O que acontece quando nós aceitamos as experiências do Anjo? Como isso contribui com a compleição da Grande Obra? Quando nós aceitamos uma experiência, o casamento de si como o experimentador com a experiência libera um tipo de energia. A tendência ou paixão que você pode ter expressado anteriormente face àquela experiência agora teoricamente foi sublimada para sempre. Ao compelir o seu ego a unir-se com a experiência, o orgasmo da união é tal que o “inferior se dissolve no superior”. Quando você conscientemente e voluntariamente comunga da experiência, você evita colori-la com projeções e ilusões. Você está trazendo um Amor verdadeiro e thelêmico à prática. Você espelha a ação de Nu e Hadit em sua união celestial.

Continuando a passar por experiências similares do Amor Thelêmico de maneira sadia, algo interessante começa a acontecer: uma atitude de tolerância emerge. A tolerância traz uma nova atitude em relação ao assunto em particular que antes perturbava o seu ego. A exposição e assimilação da experiência de maneira contínua, voluntária e absorta cria tolerância de um modo que a pessoa não tem mais a tendência de reagir a um evento expressando paixões e arriscando desviar-se da Verdadeira Vontade. A tendência de reagir violentamente termina e você permanece centrado na Verdadeira Vontade sem desviar-se dela.

A Tolerância Preliminar

Quando nós pensamos em como reagimos violentamente contra certos problemas, podemos nos desencorajar de achar ser capazes de alcançar aquele ideal de nível de Tolerância. Felizmente, há um ponto intermediário entre rejeitar as experiências e aquele da Tolerância perfeita. Crowley chama isso de “Ponto de Tolerância”. Este método reconhece que o iniciado está longe de ser um Adepto perfeito e que ele ainda retém muitas opiniões e preconceitos pessoais. É o Caminho daquele que está Fazendo Progresso7. Primeiramente, você precisa ter em mente que não importa quão fortes as suas opiniões sejam sobre um assunto, elas são relativas ao seu próprio estado de iluminação e não são absolutas. Segundo, se você encontrar coisas que você não gosta; não seja resmungão sobre elas, não faça uma ceninha, não inflame as hemorroidas das suas paixões e não arrisque desviar do curso de sua Verdadeira Vontade — simplesmente evite-as. Acho que você tem experiência o suficiente para saber que quando você fica obcecado por algo, significa que você está colocando um monte de atenção e energia naquele assunto. Isso não faz bem algum, só faz a sua situação ficar pior intensificando o sofrimento e a “dor de divisão” entre você e aquele assunto. Se você sabe que não está preparado para encarar uma dada experiência, simplesmente evite aquelas situações e retire sua atenção delas. Mas saiba que mais cedo ou mais tarde o Anjo exigirá que você as confronte para transmutação.

Por fim, Crowley nos diz para não buscar destruir as coisas que agitam as nossas paixões, pois elas são os desejos de outros. “Desfrute de suas preferências e aversões, no entanto, [respeite] a Vontade dos seus semelhantes, nunca restringindo o caminho dele a menos que ele abertamente tente remover-te do teu.” Praticando esta “tolerância preliminar”, você adotará melhor a Lei de Thelema, corrigirá as suas projeções e chegará muito mais perto daquela compreensão da igualdade de todas as coisas no Corpo de Nuit.

Há um progresso adicional no Caminho do Amor Thelêmico. A pessoa progride da rejeição das experiências a uma tolerância imperfeita e então a um desapego. Discutiremos este desapego e sua associação com o Poder da Criança no próximo encontro.


1 «Consulte o artigo Thelema e as Projeções Psicológicas de Soror Meral.»

2 O conceito de “possuir” os outros é causa de miséria de acordo com a Teoria da Escolha (Glasser).

3 «Trecho omitido porque faz referência ao trabalho confidencial de uma Ordem.»

4 Todos os Caminhos são construtos que levam à Coisa Única. “As cores são muitas, mas a Luz é Uma”. Vide a parábola de Sri Ramakrishna como uma ilustração básica: alguns chamam a água de water, jaal ou paani, mas ainda é água.

6 The Tarot Trumps of Thoth and Psychology, The Magus.

7 Protopkon em grego. Na filosofia estoica, é o caminho intermediário entre um filósofo neófito e sábio «sage».


Traduzido por Alan Willms

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