O Rei

Este artigo é um capítulo de O Templo do Rei Salomão

Uma extensa biografia mágica baseada no diário de Frater Perdurabo.

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O Rei

O Rei é o Imortal; ele é a vida e o mestre da vida; ele é a grande imagem viva do Sol, o próprio Sol, e o progenitor do Sol. Ele é a Criança Divina, o Criado-por-Deus e o Criador de Deus. Ele é o potente touro, a serpente adornada, o leão feroz. Ele é o monarca das altas montanhas, e o senhor dos bosques e das florestas, o morador dos globos de chamas. Como uma águia real ele voa pelos céus, e como um grande dragão ele agita as águas do abismo. Ele detém o passado entre as mãos como uma caixa de pedras preciosas, o futuro está claro diante dele como um espelho de prata polida, e o presente é como uma adaga de ouro desembainhada em seu cinto.

Assim como um escravo que é corajoso torna-se um guerreiro, um guerreiro que não tem medo torna-se um rei, trocando seu maltratado elmo de força por uma brilhante coroa de luz; e assim como o guerreiro caminha ereto com o destemor do desdém em seus olhos, assim também faz o rei ao caminhar com a cabeça curvada, encontrando o amor e a beleza onde quer que ele vá, e tudo o que ele faz é verdadeiro e encantador, pois tendo conquistado o seu ser, ele o governa somente pelo amor, e não pelas leis do bem e do mal, nem orgulhosamente e nem com desprezo, nem pela justiça e nem pela misericórdia. O Bem e o Mal não são seus, pois ele se tornou como uma Inteligência Superior, como uma Arte consagrada na mente; e nas ações de seu reino já não profana, e a tudo a que seu coração o inclina a fazer, isto ele faz puramente e com alegria. E assim como o rosto de um cantor pode ser corado ou branco, claro ou escuro, no entanto, a vermelhidão ou a brancura, a clareza ou a escuridão, não afetam a canção de seus lábios, ou o êxtase de sua música; do mesmo modo, tampouco a virtude e o vício criados pelos homens, a bondade e a maldade, a força e a fraqueza, ou qualquer um dos aparentes opostos da vida, afetam ou controlam as ações do Rei; porque ele está livre da ilusão e do sonho dos opostos, e vê as coisas como elas são, e não como os cinco sentidos as refletem no espelho da mente.

Agora aquele que se tornaria como um rei de si mesmo não deve renunciar aos reinos deste mundo, mas deve conquistar as terras e as propriedades dos outros e usurpar os seus tronos. Caso ele seja pobre, ele deve procurar riquezas sem perder sua pobreza; caso ele seja rico, ele deve igualmente procurar possuir a pobreza, sem tirar um centavo dos cofres de seu tesouro. O homem de muitos bens deve visar em possuir toda a terra, até que não reste nenhum reino para ele conquistar. O Inalcançável deve ser obtido, e na obtenção dele será encontrada a Chave de Ouro do Reino de Luz. A virgem deve tornar-se como a devassa, ainda que cheia de todas as coceiras da luxúria, ela de modo algum deve perder a pureza de sua virgindade; pois as fundações do Templo são de fato postas entre Dia e Noite, e os Andaimes do mesmo são como um arco lançado entre o Céu e o Inferno. Pois se ela que é um virgem tornar-se apenas como uma prostituta, então ela realmente cairá e não se erguerá, tornando-se em sua queda apenas um peso aos olhos de todos os homens, um trapo sujo por meio do qual secam os desejos da carne . Assim, em verdade, se ela que, sendo uma cortesã, tornar-se como uma virgem intocada, ela deverá ser considerada como uma coisa de nada, sendo tanto estéril quanto desamável; pois que lucro ela será para este mundo que é a mãe da esterilidade? Mas ela que é tanto vermelha quanto branca, um pilar torcido de neve e fogo, aliviando onde ela queima, e confortando onde ela resfria, ela deve ser tida como uma rainha entre as mulheres; pois nela todas as coisas se encontram, e como uma inesgotável fonte de água cujo em torno de sua foz cresce o damasco selvagem, no qual as abelhas constroem suas doces colmeias, ela deve ser tanto a comida quanto a bebida para os corações dos homens: um poço de vida para este mundo, sim! uma agradável taberna onde vinho fresco é vendido, e bom humor é tido, e onde todos devem ser preenchidos com o júbilo do amor.

Assim os homens devem atingir à unidade da coroa e tornarem-se como reis para si mesmos. Mas o caminho é longo e montanhoso e cercado de muitas armadilhas, e atravessa uma região imunda e selvagem. De fato, vemos diante de nós as torres e as fortalezas, as cúpulas e os pináculos, os telhados e as cumeeiras, brilhando além do púrpura do horizonte, como os elmos e lanças de um exército de guerreiros distante. Mas ao nos aproximar descobrimos que o azul da linha do horizonte engloba um bosque escuro onde estão todas as coisas esquecidas da Coroa, e onde há trevas e corrupção, e onde vive o Tirano do Mundo vestido com uma túnica de desejos fantásticos. No entanto, é aqui que a Chave de Ouro foi perdida, onde o porco, o lobo, o macaco, e o bode barbudo se deleitam. Aqui foram postos os pavilhões dos sonhos e os acampamentos de tendas do sono, nos quais estão espalhadas as mesas dos demônios, e onde festejam os devassos e os hipócritas, os jovens e os velhos, e todos os opostos da virtude e do vício. Mas aquele que usará a coroa deve encontrar a chave, senão a porta do Palácio permanecerá fechada, pois nenhum outro além dele poderá abri-la. E aquele que encontrará a Chave de Ouro deve procurá-la aqui na corte externa do Mundo, onde os bajuladores e parasitas, e os hipócritas, zumbem como moscas sobre os prazeres da vida.

Agora, aquele que entra na corte exterior vê postas diante de si muitas mesas e poltronas, nas quais com as veias inchadas se deleitam os filhos da gula da vida. Aqui os homens, em seu amor furioso de ganância, enchem suas mandíbulas com os luxos da podridão, que pouco depois se tornarão esterco; e vomitam sua bebida amarga uns sobre os outros como um sinal certo de sua boa camaradagem. Aqui eles festejam juntos embriagadamente como em um bordel enchendo o mundo com o barulho de pratos e tambores, e os estridentes instrumentos da ilusão, e com gritos de audaciosa vergonha. Aqui seus ouvidos e seus olhos são agradavelmente excitados pelo som do silvo de muitas panelas, e a visão do borbulhar de cozidos; e cortejam a voracidade, com o pescoço esticado, de modo que eles possam cheirar o vapor errantes dos pratos, eles enchem suas barrigas inchadas com coisas perecíveis, e bebem as glutonias da vida. Mas aquele que quereria partilhar do Banquete da Luz deve passar por este caminho e permanecer um pouco entre estes animais, que são tão cheio de coceiras imundas e fornicações desenfreadas que eles não percebem que a sua manjedoura e sua estrumeira repousam lado a lado como gêmeos em um cama. Por algum tempo ele deve ouvir o soluço daqueles que estão cheios de vinho, e o bufar daqueles que estão estufados de comida, e deve assistir a essas bestas lascivas que insultam o nome do homem rolando em suas miudezas, dando cambalhotas, e se coçando com um prurido imundo após as perniciosas delícias da lascívia, tateando bêbados entre os rebanhos de rapazes de cabelos longos e meninas de curtas saias, de quem eles sugam sua beleza, como o leite das tetas de uma cabra. Ele deve habitar por um tempo com esses homens-macacos, sujos de tinta branca, mutilados, pintados, e rebocados com o “excremento de crocodilos” e com a “espuma de secreções podres”, que são conhecidas como mulheres. Bruxas de má reputação que se mantêm sussurrando carochinhas sobre os seus cálices, e que, tão imundas em corpo como em mente, com línguas desenfreadas tagarelam petulantemente assim como riem sobre os seus sussurros sórdidos, descaradamente fazendo com os lábios sons de lascívia e fornicação. E devassas jovens alisam com delicados passos balançando seus corpos aqui e ali entre os homens, suas faces manchadas com os artifícios enganadores da astúcia ardilosa. Piscando com ousadia e balbuciando disparates elas gargalham em voz alta, e como aves ciscam o estrume procurando a sujeira da riqueza; e tendo encontrado, avançam o seu caminho para a sarjeta e a sepultura carregadas de ouro como uma bolsa imunda.

Ó, aspirante! Tudo isso tu deves testemunhar, e disto partilhar, sem se sujar ou repugnar, e sem desprezo ou reverência; então certamente tu deverás encontrar a Chave de Ouro que remove o grampo do mal da presilha do Bem, e que abre a porta que leva ao Palácio do Rei, no qual está o Templo. Pois quando tu tiverdes descoberto a Beleza e a Sabedoria e a Verdade nas veias inchadas, nas barriga estufadas, nos lábios espumantes, nas danças lascivas, na furiosa ganância, nos sussurros devassos, nas astutas piscadas, e em todas as absurdas sem-vergonhices da Corte Exterior, então verdadeiramente tu concluirás que a Chave de Ouro só pode ser encontrada no casamento da libertinagem e da castidade. E a tomando tu a colocará na fechadura do fogo querúbico que foi moldada no centro da porta da casa do Rei, que é construída de marfim e ébano e cravejada de azeviche e prata; e a porta abrirá por algum tempo como se uma chama tivesse sido atiçada, e verás diante de ti uma mesa de pérola na qual estarão postas as águas ocultas e o pão secreto do Banquete da Luz. E tu deverás beber e comer e se tornar brilhante como uma corrente de prata derretida; e, como a luz do corpo é o olho, assim teu verdadeiro eu se tornará como um olho para ti, e verá todas as coisas, até mesmo o cálice do terceiro nascimento; e, o pegando, tu beberás do cálice da eucaristia da Liberdade, o vinho que é mais perfumado do que o aroma das uvas doces da Trácia, ou que as vinhas de Lesbos que exalam almíscar, e é mais doce do que a vindima de Creta, e de todas as vinhas de Naxos e do Egito. E tu serás ungido com nardos de doces aromas e unguentos feitos de lírios e cipreste, murtas e amarante, e de mirra e cássia bem misturados. E em teus cabelos devem ser tecidas pétalas de rosa de brilhante carmesim, e com o encanto misturado de lírios e violetas, em pares como a madrugada com a noite. E ao teu redor soprará uma fragrância mais doce do que da queima de incenso de olíbano, e benjoim, e aloés; pois este é o sopro do Templo de Deus. Então pisarás no Palácio do Rei, Ó guerreiro! e uma voz mais musical do que a flauta de marfim e o saltério de ouro, clara como um sino de metais misturados no meio da noite, deverá convocar-te, e tu a seguirá ao trono que é como um cubo perfeito de  ouro flamejante num mar de brancura; e então serás despido do sono e coroado com o silêncio do Rei – o silêncio da música, do pensamento, e da razão, aquele inconcebível silêncio do Trono.


Traduzido por Frater V.I.T.R.I.O.L.

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