Quase tudo que sei sobre o Pantáculo

Este artigo é um capítulo de Quase Tudo que Sei Sobre a A∴A∴

Enquanto símbolo; enquanto o corpo; enquanto arma; como desenvolvê-lo.

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Leia em 28 min.
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Quase tudo que sei sobre o
Pantáculo

Neste artigo é abordado:

  • Contexto
  • O Pantáculo na A∴A∴
  • O Pantáculo enquanto símbolo
  • O Pantáculo enquanto Corpo
  • O aspecto material do Corpo
  • Desenvolvendo o Corpo
  • O Pantáculo enquanto Arma Mágica

Contexto

O pantáculo pode significar muitas coisas diferentes dependendo de para quem você pergunta. A resposta mais simplista, é que o pantáculo é a arma elemental correspondente ao elemento terra, que geralmente tem a forma de um disco e que nele estão gravados símbolos e fórmulas que buscam representar o universo.

Ele tem sido usado em muitas correntes de magia e misticismo tais como magia salomônia, enoquiana, wicca, etc., as vezes como uma das armas elementais, as vezes como um talismã ou amuleto para alguma finalidade específica.

Sigillum Dei Aemeth — Feito à mão por nosso Irmão Rodrigo Vignoli

O Pantáculo na A∴A∴

Na Astrum Argentum, confeccioná-lo faz parte das tarefas do grau de Neófito conforme o item 8 do Juramento/Tarefa em Liber Collegii Sancti. As instruções de sua confecção são dadas em Liber A vel Armorum enquanto instruções sobre o aspecto simbólico e iniciático dele são dadas em Liber ABA. Um video ensinando os aspectos técnicos de confeccionar um pantáculo de cera está disponível aqui.

Tenho observado que muitos Neófitos quando abordam o assunto pela primeira vez se sentem tentados a estudar os pantáculos clássicos dos Irmãos do passado. Não há problema algum nisso, desde que ele não se conforme nos moldes deles ou em plagiá-los ao invés de produzir uma obra conforme sua experiência individual do universo.

O design e fórmulas do Pantáculo de um Neófito deve ser conforme a individualidade deste, razão pela qual modelos feitos por outras pessoas dificilmente seriam apropriados.

O Pantáculo enquanto objeto é um ponto de ancoragem, um medium de matéria através do qual aquela ideia é ancorada em Assiah, o plano da manifestação. O objeto por si só, por mais bem elaborado que tenha sido é apenas um símbolo daquilo com o que, por virtude da consubstânciação se torna um: O corpo.

Ao se tornar ciente disso o Neófito preguiçoso diz a si mesmo: “Eu tenho um corpo, então tenho um pantáculo! O assunto está concluído!” Ele não poderia estar mais enganado.

Citando Crowley em Liber ABA, negritos por minha conta:

O nome Pantáculo implica uma imagem do Todo, onme in parvo, mas isto é através de uma transformação mágica do Pantáculo. Assim como tornamos a Espada simbólica de tudo pela força da nossa Magia, assim também nós trabalhamos sobre o Pantáculo. Aquilo que é meramente um pedaço de pão comum será o corpo de Deus.

A Baqueta era a vontade do homem, a sabedoria dele, o seu verbo; a Taça era a sua Compreensão, o veículo da graça; a Espada era sua Razão; e o Pantáculo será seu corpo, o Templo do Espírito Santo.

Qual o comprimento deste Templo? Do Norte ao Sul.
Qual a largura deste Templo? Do Leste ao Oeste.
Qual é a altura deste Templo? Do Abismo ao Abismo.
Não existe, pois, qualquer coisa móvel ou imóvel sob os céus que não esteja incluída neste Pantáculo, se bem que ele seja apenas de “oito polegadas” de diâmetro, e da grossura de meia polegada.

O Pantáculo enquanto símbolo

Ao compor o pantáculo enquanto ferramenta simbólica externa ao indivíduo, ele se esforçará para fazê-la uma representação do universo o mais ampla e perfeita que ele seja capaz, e nisso ele enfrentará o seguinte obstáculo:

Imagine que você está no centro da figura 1., o quadrado branco representa aquilo que você conhece, e os quadrados negros representam aquilo que você sabe que desconhece. Sendo assim, sua consciência percebe “1” conhecido e “8” desconhecidos. Desejando melhorar essa proporção, você consegue expandir sua consciência dominando o quadradinho da direita (figura 2), mas ao dominá-lo você se dá conta de três novas coisas que desconhece. Agora você tem “2” conhecidos e “10” desconhecidos. Então você domina os dois quadradinhos imediatamente abaixo dos já dominados (figura 3), e ao fazê-lo percebe quatro novas coisas que desconhece, e você tem agora “4” conhecidos contra “12” desconhecidos.

Eventualmente, lhe parecerá que você finalmente virou o jogo. No exemplo acima (figura 4) o indivíduo domina “36” coisas conhecidas, e percebe “28” coisas que desconhece. Mas se ele esteve prestando atenção no processo até o momento, ele intuirá que…

Existem uma infinidade de coisas as quais sua consciência não apenas é incapaz de abarcar, mas sobre as quais sequer se deu conta de que existem! Você sequer é capaz de perceber a infinitude de coisas que desconhece.

Desta forma, é interessante que ao compor seu Pantáculo, o Neófito explore e busque representar ao menos:

  1. A parte de si que ele conhece.
  2. A parte de si que ele não conhece.
  3. A parte do universo que ele conhece.
  4. A parte do universo que ele não conhece.
  5. A relação entre essas coisas conhecidas e desconhecidas, próximas e distantes de sua consciência.

Naturalmente, tal pantáculo se transformará com o tempo — tanto sua representação simbólica quanto as coisas objetivas das quais ele trata. E quanto mais desenvolvida for a consciência, vivência e maturidade do indivíduo, mais maduro será seu Pantáculo.

O Pantáculo enquanto Corpo

No Liber Collegii Sancti sob o item 9 das tarefas do Probacionista e Neófito respectivamente, lê-se: “Ele se manterá casto e reverente para com o seu corpo(…)” e “Ele fortificará de todos os modos o seu corpo(…)”.

Muitos indivíduos fixam os limites do corpo à máquina de carne e hormônios. Se dedicam simplesmente ao corpo físico, e buscam entendê-lo e cultivá-lo de maneira sã e equilibrada para que funcione de maneira harmoniosa como ferramenta em sua Grande Obra. Outros, nem isso.

Ao apresentar a alguns indivíduos a pergunta “quem é você?”, as respostas que recebi foram de modo geral uma coleção de rótulos e impressões somadas a alguns poucos fatos. Quase sempre algo na linha do “Sou Fulano, estudei tais assuntos, me formei em tal área acadêmica, e hoje trabalho com não sei o que lá. Minha visão política é assim e assado, nas minhas horas de lazer gosto dos passatempos X e Y. Minha comida favorita é tal. Tais coisas me atraem enquanto essas outras me causam repulsa. Meus objetivos de vida são A, B e C.”

Agora, digamos que tal pessoa morra. Os assuntos que ela estudou estão contidos em seu cérebro. Tudo que ele sabe e todas as memórias que ele guardava de sua vida acadêmia e profissional estão em seu sistema nervoso. A visão política que ele possuía, sua moral e ética também. Até o gosto ou desgosto por um alimento ou passatempo, afeto por entes queridos ou coisas assim como o desgosto por estes, e etc. existiam apenas enquanto existia seu corpo que agora está morto. Certamente a substância que o compunha vai continuar existindo, transformada em alguma outra coisa. Certamente lembranças sobre tal indivíduo, suas ideias, obras, e até mesmo sua genética poderá perdurar através de outros indivíduos, mas estas coisas não serão mais de modo algum “dele”.

Mesmo aqueles que defendem um dualismo entre mente e corpo seriam tolos em negar que, mesmo ao aceitar a premissa de que as emoções, os ideais e a razão não acontecem dentro do corpo, é este que ancora estas partes do ser à uma manifestação pontual no plano das coisas concretas. Ele é o veículo da Vontade no plano da Manifestação.

Dividir o indivíduo em “partes da alma” como faz a Qabalah ou em “agregados” como faz o budismo é útil ao estudar certos aspectos dessas partes, mas compreensão do conjunto do ser dificilmente poderia ser produzida sem se voltar para as relações entre estas partes, suas interações, dependências, como se influenciam mutuamente, etc.

“Está tudo na sua cabeça. Você só não sabe quão grande a sua cabeça é.”

O módulo local e individual do processo chamado “consciência” parece funcionar como um sistema operacional — para simplificar, um app — que opera sobre o hardware — o maquinário — que é a base material. Quando percebemos algo externo, esse algo passa pelos filtros de nossa linguagem, memórias, metaprogramas, valores, crenças, etc. A mercê desses filtros, aquela percepção externa é distorcida, deletada, alterada e generalizada, e o resultado agora transcrito de acordo com tais filtros se torna uma representação interna daquilo que existe externamente.

Representações internas são capazes de alterar nosso estado nos deixando eufóricos ou deprimidos, nos deixando receptivos ou na defensiva, calmos ou tensos, etc. A relação “representação X estado” é uma via de mão dupla, e nosso estado também afeta nossas representações internas. Por exemplo, uma pessoa bem disposta terá representações muito mais positivas e agradáveis a respeito da maioria de suas impressões do que uma pessoa fatigada.

Nosso estado é capaz de alterar nossa fisiologia. Medo ou stress por exemplo poderá fazer com que sua glândula adrenal secrete cortisol, que alterará seu ritmo cardíaco, pressão arterial, disposição, etc. Aqui também a relação é mútua: Uma pessoa com os níveis hormonais equilibrados, pressão arterial saudável, livre de doenças, etc. terá estados muito mais positivos e equilibrados do que se tivesse uma fisiologia desequilibrada.

Em suma, representações internas alteram o nosso estado mental, que por sua vez pode alterar a nossa fisiologia; Nossa fisiologia também pode alterar nosso estado, que por sua vez alterará as representações internas. Nossa representação interna das coisas, nosso estado mental atual e nossa fisiologia atual se alteram mutuamente a cada instante no processo da consciência.

Certas práticas místicas me trouxeram resultados que me fazem crer em uma consciência não-local que precede — e de alguma forma parece influenciar ou resultar na consciência local. Esta consciência não-local, no entanto, não parece dependente da local, e muito menos do corpo, razão pela qual, para a finalidade deste artigo, vou me ater aos processos locais, que estão de toda forma dependentes, ancorados e em constante transformação mútua com a base material. Defino “Corpo” como aquilo que ancora todas as partes do ser a uma manifestação pontual e individualizada.

O aspecto material do Corpo

Comecemos pelo mais simples. O corpo físico é seu veículo para vivenciar e interagir no plano da matéria. Por mais que seja possível realizar grandes feitos com um corpo do qual se tenha subtraído funcionalidades em razão de algum acidente, pela falta de cuidados com ele, por alguma doença ou mesmo por herança genética, o ideal é que o corpo físico ofereça tanto quanto possível o mínimo de contratempos ao indivíduo vinculado a ele. Me parece difícil discordar de que as seguintes características são desejáveis no corpo físico:

Saúde:

Quer você esteja se descobrindo ou se realizando, é muito mais fácil fazê-lo estando cheio de energia, disposição, bem estar, equilíbrio mental, mobilidade, livre de dores e de doenças. Exceções existem, mas a exceção quase sempre é o exemplo dado por tolos: Se apegar a um caso em que a falta de saúde não tenha atrapalhado — ou tenha até ajudado alguém — em seu caminho espiritual como desculpa para não cuidar de sua própria saúde dificilmente trará bons resultados.

Stephen Hawking desde 1963 até seu último dia sofreu de esclerose lateral amiotrófica: Pouco a pouco a doença paralisou seu corpo, tomando dele até mesmo sua capacidade de falar, e em seus últimos anos, o recipiente de sua magnífica pessoa era limitado a uma única posição em sua cadeira de rodas elétrica, e se comunicava através de um computador que traduzia em fala micromovimentos que ele fazia com a bochecha. Alguns poderão dizer que tal condição não prejudicou sua obra, e que pode ter sido determinante para o avanço da mesma, mas isso não passaria de conjecturas. Ao negligenciar a saúde você não será um novo Hawking — que por sinal não poderia ter evitado tal sina mesmo se desejasse. Você só estará tornando a sua vida mais difícil.

Por mais óbvio que pareça, se o único veículo do qual você dispõe para viajar estragar irremediavelmente antes de você descobrir para onde deseja ir, ou der perda total no meio do percurso, você não vai viver a viagem em sua totalidade. Da mesma forma, se você não viver o suficiente para descobrir qual é a expressão máxima da sua individualidade, ou ainda que descubra, não viva o suficiente para realizá-la, a vida terminará sem que tenha se manifestado em toda sua plenitude.

Neuroquímica:

Se pretendemos que nossa consciência funcione no mais alto nível — como dito em Cartões Postais para Probacionistas: “Superconsciência da mais alta ordem” — será vantajoso que nossa neuroquímica, que é a base material sobre a qual esse fenômeno ocorre, tenha se tornado uma plataforma estável, poderosa e equilibrada para sustentar o fenômeno.

Assim como é possível rodar um app em um sistema ultrapassado ou comprometido, a superconsciência pode sim ocorrer em uma neuroquímica desequilibrada, mas seus resultados serão proporcionalmente desequilibrados. Em tal ambiente, é fácil se tornar vitima da insanidade, obsessão, fanatismo, etc.

Quão difícil é para um cientista fazer qualquer experimento que seja dispondo apenas de equipamentos desregulados? Por esta razão é tão importante que se você foi diagnosticado com um desequilíbrio neurológico ou hormonal, que você tome sua medicação em dia por quanto tempo seja necessário ao seu bom funcionamento.

Disciplina:

Desejamos que o corpo seja um aliado tranquilo e prestimoso e não um opositor inquieto e sedento por estímulo, ansioso pela satisfação de seus caprichos. Desejamos ser capazes de dispor de seus recursos à vontade, e o indivíduo destreinado raramente é capaz disso.

Ele busca se aplicar ao que quer que seja, e logo é perturbado por desconforto, necessidades sexuais, fome, frio, cansaço, tédio, preguiça, etc. A justa medida é comer quando se tem fome, dormir quando se tem sono, gozar quando há tesão. Pode parecer óbvio, mas vemos, por exemplo, quem come por ansiedade, se masturba por tédio ou dorme para fugir da realidade. Uma base material que precise satisfazer essas necessidades a todo momento, sem regularidade, monopolizando para si todo senso de “Eu” é mais um obstáculo do que auxílio.

Funcionalidade:

Esse ponto varia bastante. As inclinações de um indivíduo bem como a expressão de sua obra pode tomar diversas formas. Há situações em que tais manifestações se dão correlacionadas com a voz, visão, expressão corporal, capacidade atlética, etc. Nesses casos a perda ou ausência dessas funcionalidades poderão impactar tal expressão, que terá de enfrentar resistência para se adaptar ou criar novos caminhos. Isso despende tempo e energia, dois recursos muito escassos para a maioria dos humanos modernos.

Mesmo em casos que certas funcionalidades do corpo não sejam essenciais, via de regra é melhor tê-las do que não tê-las: É vantajoso dispor de um corpo que sustente bem o próprio peso, possua mobilidade, seja eficiente em sua própria manutenção, e não precise de grandes quantidades de energia e tempo para sanar insignificâncias do cotidiano.

Desenvolvendo o Corpo

Fica evidente que as quatro características da qual falamos mais acima — Saúde, Neuroquímica, Disciplina e Funcionalidade — estão interconectadas. Se um desses pilares vai mal, o desenvolvimento dos demais pilares fica prejudicado pelo elo mais fraco. Uma neuroquímica desajustada prejudicará a saúde, falta de disciplina pode desregular a neuroquímica, e assim por diante.

As instruções elementares da A∴A∴ que auxiliam nisso são dadas em Liber E vel Exerctiorum de sua Parte III em diante. Embora considerar este liber apenas nesse escopo possa se comparar a usar um supercomputador apenas para jogar paciência, a ênfase deste artigo é no uso destas ferramentas para fortalecimento, harmonia e regularidade do aparato fisiológico e neurológico do praticante.

Asana

Tal como ensinado em Liber E vel Exerctiorum consiste em escolher uma postura com a coluna em sua posição natural — ou seja, respeitando as curvaturas cervical, torácica, lombar e sacral — e em que se mantenha em vigília.

Em seguida, o praticante deve se tornar consciente de seu corpo, obtendo um estado que Crowley descreve como “um tigre prestes a pular, ou um atleta de prontidão esperando o sinal de partida”. Isto quer dizer, um estado relaxado de atenção pronto para iniciar o movimento instantaneamente.

Dou um exercício complementar de meu próprio engenho para que se obtenha este estado:

1. Procure uma parte do seu corpo que esteja esquecida. Talvez o pé esquerdo plantado no chão, ou a língua dentro da boca.2. Note que antes de você percebê-lo, é como se a ligação neuromuscular do seu cérebro e o membro estivesse em “modo de descanso”, e quando você voltou sua atenção para ele, ocorre uma ativação de um “modo de prontidão”.3. Reforce a conexão. Imagine-se prestes a mover essa parte do corpo. Trace mentalmente o movimento, e torne-se consciente de cada músculo e articulação que precisarão entrar em ação.4. Quando se move um membro, há um momento no processo que esta parte do corpo começaria a se mover. Não mova, mas esteja apenas uma etapa antes de que o movimento comece. Uma fração a mais no processo, e o movimento se iniciaria.5. Familiarize-se a aplicar este processo à cada parte do seu corpo.

Atletas, artistas marciais, dançarinos e acrobatas provavelmente estão familiarizados com esse processo. Essa “ativação” neuromuscular, este foco relaxado, é condição necessária para o que algumas escolas de artes marciais e de fisiologia oculta chamam de “chi”, ou “ki”.

Por fim, o praticante deverá permanecer imóvel durante o tempo pelo qual se comprometeu a ficar, salvo pelos processos ligados ao sistema nervoso autônomo, como respirar. Piscar e engolir também podem ser inibidos se desejar, mas não tenho observado vantagem nisso.

Durante a prática de Asana o corpo do iniciante se comportará como uma criança mimada que, chorando e esperneando inferniza seu tutor até que este ceda e lhe dê o que deseja. Ora, uma criança que se comporte dessa forma, se atendida receberá um reforço positivo e entenderá que sempre que desejar algo, basta reproduzir esse comportamento infernal. Mas e se tal criança ao invés do que quer, receber disciplina? Aos poucos ela perceberá que tal comportamento não produz o resultado desejado, e o abandonará.

O iniciante será confrontado com coceiras, dores, desconforto e toda sorte de pirraças com as quais o seu corpo tentará convencê-lo a abandonar a postura. Se você abandona a postura, estará adestrando a si mesmo a ceder diante daquele obstáculo. O ideal é que se comece com pouquíssimo tempo — mesmo um minuto! — e se progrida gradualmente, mas se você decidiu assentar-se imóvel por um período, um minuto que seja, não se mova antes disso nem que isso te mate.

Pranayama

Os exercícios propostos em Liber E darão ao praticante na medida em que progride certo controle sobre a respiração, que combinado com a ativação neuromuscular descrita anteriormente e com Dharana do qual falaremos adiante proporciona controle dos fluxos energéticos do corpo. Antes, o básico:

Primeiramente o praticante deve tornar a respiração regular. A respiração do iniciante costuma ser rasa e descompassada. Que ele a torne profunda e ritmada. Podemos começar mesmo com uma respiração 3x3 segundos (três segundos enchendo os pulmões, três segundos esvaziando-os). Durante o tempo em que se enche os pulmões, o fluxo de ar que entra deve ser constante. Se por exemplo, ele encher quase todo o pulmão nos primeiros dois segundos não conseguirá manter o fluxo constante até o final da inspiração.

Aos poucos o praticante se tornará consciente do fluxo ideal para que seus pulmões sejam preenchidos gradualmente ao longo de toda a inspiração que será concluída com os pulmões quase cheios — mas não excessivamente a ponto de sentir desconforto — e expirar esvaziando os pulmões com o mesmo fluxo de ar constante durante todo o período de expiração.

Tudo isso deve ser feito sem que se perca o fôlego ao ponto de precisar interromper a prática. Quando um período de tempo se tornar fácil e confortável, você poderá aumentar gradualmente a duração das etapas.

Períodos sem fluxo de ar — chamados kumbhaka — podem ser adicionados ao final da inspiração, com os pulmões cheios, o que se chama “reter”, ou ao final da inspiração, com os pulmões vazios, o que se chama “suster”. Tais práticas impõe sobre o sistema nervoso autônomo e ao circuito de biosobrevivência uma situação anormal ao seu funcionamento. Isso faz com que ele lhe dê biofeedback — uma resposta biológica — afim de fazê-lo abandonar o controle voluntário. É uma oportunidade de se familiarizar com esse biofeedback e se tornar consciente do centro do qual ele é emitido.

Outra vantagem de kumbhaka é que ao tornar o oxigênio escasso em práticas regulares, o indivíduo força o organismo a certas adaptações, como maior eficiência na oxigenação do sangue, produção de emoglobina, alcalinização do sangue, e condiciona os músculos a operarem em ambiente hipóxico.

A prática do Pranayama como um todo, além dos benefícios já citados, se praticada regularmente causa atenuação na resposta auto-imune humana, regula o sistema imunológico, reduz os processos inflamatórios e favorece acumulo de gordura amarela em detrimento da gordura branca. Para os interessados nos estudos científicos, eis o estudo a este respeito.

Para aqueles que queiram explorar Pranayama além do que Liber E orienta, um próximo passo podem ser as práticas de Liber RV vel Spiritus, para as quais redobro o alerta para que o indivíduo tenha cuidado e bom senso.

Dharana

Por mais estranho que isso soe para quem mantem uma visão cartesiana de mente e corpo, minha vivência tem demonstrado que o controle do pensamento e fisiologia se afetam mutuamente. Para muitos é óbvio que perturbações pontuais como fome, dor, sono, tesão, etc. afetam a qualidade da concentração, mas poucos notam — ou atingem avanço que lhes permita tal feito — que a concentração é capaz de alterar o quanto a fome, dor, sono, tesão, etc. afetam nossa capacidade de trabalho.

Dharana, que é a capacidade de focar a consciência em algo e não se desviar daquilo, pode ser treinada entre os extremos de “contração” e “expansão”. Contração mantém o foco em um único objeto/ideia/sensação, enquanto expansão mantém o foco em uma quantidade progressivamente maior de objetos/ideias/sensações. Seja por contração ou expansão, a concentração não deve se desviar por um instante sequer do foco.

Através da prática de Dharana, você progressivamente se assenhorará de seu aparato sensorial, obtendo a capacidade de focar sua atenção no que bem desejar por quanto tempo quiser, mas esse sequer é o maior benefício. Ao praticar Dharana você conhecerá e se familiarizará com os processos da consciência, e ao entendê-los, poderá usufruir deles sob vontade ao invés de estar a mercê destes.

Controle do fluxo energético

Combinando todas as técnicas anteriores, o controle do fluxo energético desenvolve algumas especificidades das citadas práticas, mas não é substituto para eles, já que as limita a uma aplicação específica. Essa prática utiliza e desenvolve consciência corporal obtida através do Asana, familiaridade com a respiração e com o sistema nervoso autônomo desenvolvida no Pranayama, e a capacidade de focalizar a atenção obtida através do Dharana. O domínio técnico dessa prática é útil em quase toda prática mística e mágica, e é reputado como método para saúde e equilíbrio da base material e longa vida. Não tenho estudos que possam corroborar essas afirmações, e as faço baseado em experiência pessoal, na de meus instruídos, e na de Irmãos do passado. Que cada um julgue por si baseado em suas experiências.

Uma excelente prática de controle do fluxo energético é o Pilar do Meio, do qual dou uma variação logo abaixo. Dificilmente alguém que não esteja familiarizado com as três práticas anteriores obterá sucesso nisto — e provavelmente não entenderá as instruções — mas me esforçarei por dá-las com o máximo de clareza possível. Sugiro que se pratique cada etapa até dominá-la antes de ir para a seguinte. Ele utiliza fórmulas cujo estudo pode ser realizado através de nosso Liber ABA, técnicas presentes em Liber O e em meu artigo sobre o Plano Astral.

Pilar do Meio para treinamento de controle do fluxo energético

1. Em seu Asana, direcione seu Dharana ao topo de sua cabeça.2. Realize uma inspiração completa, e ao expirar imagine que o ar ao invés de sair pelo nariz, sai por aquele ponto no topo da cabeça. Repita por quantas vezes for necessário até que exista uma sensação nítida e presente de pressão, calor ou outro feedback tátil no topo da cabeça.3. Perceba que externo a si, verticalmente sobre a sua cabeça, há uma emissão de energia pura que ressoa com esse ponto e se conecta a ele. Essa energia desce desse ponto para o topo da sua cabeça se acumulando em uma esfera. Inspire e vibre a fórmula “LASHTAL” naquele ponto sobre a cabeça.4. Sem perder Dharana do ponto anterior, repita o passo 2, porém agora focando na garganta. Perceba que a energia transborda da esfera no topo da cabeça, é canalizada pela coluna e desce até o ponto da garganta onde se acumula na forma de uma esfera. Inspire e vibre a fórmula “THELEMA” no ponto da garganta.5. Continue adicionando etapas sem perder o Dharana sobre as anteriores, fazendo com que a energia transborde do ponto anterior para os seguintes através da coluna:6. Centro do peito - Fórmula “VIAOV”.7. Baixo ventre (onde estaria a próstata ou o útero) - Fórmula “AGAPE”.8. Períneo - Fórmula _“MUAUM”_9. Nesse ponto inicie um Pranayama confortável. Quando você inspira, sinta que o fluxo de energia que desce pela coluna até a base dela, agora começa a subir em um espiral em torno da mesma até a cabeça. Quando expira, essa energia transborda do topo de sua cabeça como um chafariz e “chove” ao seu redor. Repita por algumas vezes. Dez vezes é um bom numero para uma sessão de treino.10. Aos poucos, desvincule o fluxo energético do ritmo respiratório, e torne-o ininterrupto desde o ponto externo, descendo pela coluna, subindo em espiral ao redor dela e transbordando pelo topo da cabeça. Mantenha por algum tempo. Um minuto ininterrupto é o suficiente para uma sessão de treino.11. Após o passo anterior, opcionalmente você pode fazer com que a energia flua por onde desejar em seu corpo. Mantê-la em um órgão ou músculo auxiliará no equilíbrio e cura do mesmo. Você também pode direcionar essa energia para fora afim de transmiti-la para algum ato de vontade, como encantar um amuleto, talismã, curar alguém, etc.

Corpo Astral

A partir daí, para onde podemos expandir o conceito e exercício do corpo está no que convencionamos chamar “Corpo Astral”, que é o instrumento através do qual exploramos o “Plano Astral”, mas este tema é demasiado extenso para essa exposição e já foi discutido em um artigo à parte onde o exploro da maneira mais clara possível: Quase tudo que sei sobre o Plano Astral.

Atividade física

Hoje a ciência tem em seu repertório recomendações genéricas quanto a atividade física adequada ao nosso contemporâneo que pretenda realizar o mínimo necessário para manter as funcionalidades de seu corpo nos níveis ideais. Um bom ponto de partida é o “Diretrizes da OMS para atividade física e comportamento sedentário” que pode ser acessado aqui.

Página 4 do “Diretrizes da OMS para atividade física e comportamento sedentário”

Outras práticas úteis são dadas em Liber E vel Exerctiorum, em sua seção VI onde ele poderá conhecer suas limitações físicas e lidar com elas, e VII onde ampliará seu universo intelectual. Obviamente não devemos nos limitar a isso, que é apenas um bom ponto para alguém que se veja estagnado e não saiba em qual direção dar um próximo passo nesses assuntos, que para todos os efeitos, são ilimitados. A esse respeito, Liber ABA acrescenta (negritos por minha conta):

Esta, pois, é uma dificuldade muito grande para o Magista. Ele não pode abarcar a soma total de experiências possíveis e se bem que ele pode se consolar filosoficamente com a ideia de que o Universo é coincidente com aquela experiência que ele tem, ele verificará que esta experiência cresce tão rapidamente durante os primeiros anos de sua vida que ele quase será tentado a crer na possibilidade de experiência além das dele mesmo; e do ponto de vista prático ele se verá confrontado por tantas avenidas de conhecimento que ele ficará sem saber qual escolher entre elas.

O asno confundiu-se entre dois chumaços de capim; quanto mais àquele maior asno, aquele incomparavelmente maior asno, entre dois mil.

Felizmente, isto não tem muita importância; mas ele deveria pelo menos escolher aqueles ramos de conhecimento que lidam diretamente com problemas de ordem universal.

Ele deveria escolher não um ramo apenas, mas vários; e estes deveriam ser tão diversos uns dos outros quanto possível.

É importante que ele cultive excelência em algum esporte; e que esse esporte seja o mais bem calculado para manter o corpo dele em bom estado de saúde.

Ele deveria ter uma sólida base de estudos dos clássicos, da matemática e da ciência; também, suficiente conhecimento geral das línguas modernas e das maneiras de vida para lhe permitir viajar em qualquer parte do mundo com facilidade e segurança.

História e Geografia ele pode assimilar quanto e como lhe convenha; e o que mais deveria interessá-lo em qualquer assunto são os laços deste com algum outro assunto, para que o seu Pantáculo não seja sem aquilo que pintores chamam de “composição”.

Ele perceberá que, não importa quão boa seja sua memória, dez mil impressões adentram sua mente para cada uma que ele é capaz de reter por um dia que seja. E a excelência de uma memória jaz na sabedoria de sua seleção.

O Pantáculo enquanto Arma Mágica

Quando falamos em “armas mágicas” é muito fácil imaginar como utilizar adaga ou espada, baqueta ou cajado de uma maneira combativa. O mesmo não ocorre de maneira tão óbvia com a Taça e o Pantáculo.

A virtude do Pantáculo no simbolismo do combate é como a de um escudo, e isso de muitas formas. Se você definiu sua posição no universo enquanto ponto infinitesimal dentro do círculo bem como sua relação com o todo, por qual relação alguma parte do todo seria capaz de te fazer mal? Se você mesmo se identificou com o Todo enquanto circunferência sem limites, percebendo que tudo que existe faz parte da necessidade universal, o que existiria externo a você para chamar de “mal”?

O pantáculo age como um lembrete e uma bússola aos quais você pode recorrer a qualquer momento como afirmação diante da natureza de quem você é — mesmo o pouco que conhece de si — e como um lembrete a si mesmo para se resguardar de desarmonia e falta de proporção, pois são estas as únicas coisas que podem causar perturbação em sua esfera.

No desenvolvimento de seu corpo, se aprende a justa medida de controle sobre si mesmo. O indivíduo não deve tiranizar seu corpo o mantendo tal qual um cão feroz que precisa ser encoleirado e colocado na focinheira para que não morda, mas torná-lo flexível e aberto às experiências como um cão farejador que mesmo solto, continua fiel ao seu mestre e vai à frente mostrando o caminho. O indivíduo entende os mecanismos de sua natureza e é capaz de permanecer não reativo diante deles. Ele não é mais um joguete destes mecanismos.

Tendo dessa maneira desenvolvido o seu Pantáculo, qualquer fenômeno poderá ser compreendido e colocado em seu devido lugar. Como um revés que pareceria ao personagem de uma narrativa que o mundo pretende lhe esmagar é visto pelo roteirista como necessário para o climax daquela narrativa, ou como um músico sabe usar o silêncio, acidentes musicais e dissonância para trazer maior perfeição à sua composição.

Que forças nos céus ou na terra, na água ou na terra seca, no reino do ar ou no reino do fogo seriam capazes de alterar a posição do centro de uma circunferência perfeita?

Citando de Uma Declaração sobre Thelema, negritos por minha conta:

Então agora, no que diz respeito à explicação da Lei dada noutra parte no Livro da Lei “Amor é a lei, amor sob vontade”, enquanto a vontade, conforme demonstrado acima, é de validade absolutamente lógica e ética, só pode ser executada pelo processo de assimilação de todos os elementos alheios, ou seja, por amor. Recusar-se a unir-se a qualquer fenômeno, seja qual for, é privar-se de seu valor — até mesmo da própria vida, como no caso dos Irmãos Negros, enclausurados no Abismo, e condenados à desintegração consciente no reino das ideias e experiências desconexas, para perecerem com os cães da razão. Esta recusa só ocorre quando se está convencido de que o novo fenômeno é hostil para com o conjunto de experiências já adquirido e tornado parte de si. Mas é uma séria marca de imperfeição, de grave fracasso em compreender os fatos do assunto, assumir tal atitude. Mesmo se supormos, por um breve momento e apenas para fins de argumentação, que a nova ideia sob consideração seja tão incompatível com as experiências já adquiridas e assimiladas que a destruição das mesmas seja necessária para que esta nova ideia seja aceita, então um fato se sobressai vividamente, mostrando claramente que o antigo conjunto de experiências é tão imperfeito que é inadequado para continuar sua outrora existência; sua destruição seria vantajosa para aquele ser, permitindo uma reconstrução sob linhas completamente diferentes — uma construção que se emprestaria mais prontamente à aquisição de novas experiências e ideias aparentemente contraditórias.

Conclusão

O pantáculo embora seja uma fixação do volátil, o é de maneira pontual. A volatização do fixo o manterá em constante transformação e movimento até que aquela manifestação por fim seja desintegrada — morte é a coroa de tudo! Pela Magia algo surge do Nada Infinito para a Manifestação. Pela Consciência experimentamos a Manifestação. Pelo Misticismo aquilo é devolvido ao Nada Infinito, tendo antes gestado um fruto na consciência do experimentador. Esse fruto pode ser cristalizado na forma do Pantáculo, mas o fruto deixado de lado apodrecerá. Ele deve ser saboreado. Dele restará uma semente, que gerará uma nova árvore, que por sua vez gerará novos frutos. Também é dito que o Pantáculo pode ser feito de pura cera de abelha. “O mel foi tomado pelo Magista; nada resta do trabalho de todas essas hostes de abelhas senão a mera casca, o combustível da luz.” Mudança é estabilidade, e estabilidade muda!


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