O Libertino

Este artigo é um capítulo de O Templo do Rei Salomão

Uma extensa biografia mágica baseada no diário de Frater Perdurabo.

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Leia em 9 min.

O Libertino

HÁ uma mulher, jovem, e bela, e sábia, que não envelhece conforme dança ao longo dos séculos: ela estava no começo, e ela estará no final, sempre jovem, sempre atraente, e sempre inescrutável. Está de costas para o Oriente e seus olhos voltam-se para a noite, e em sua vigília jaz o mundo. Onde quer que ela dance, ali um homem recebe o suor de sua testa e a segue. Reis abandonaram seus tronos por ela; sacerdotes seus templos; guerreiros suas legiões; e lavradores seus arados. Todos a têm buscado; embora ela sempre permaneça sutil, sedutora, virginal. Nenhum a conheceu exceto aqueles pequeninos que nasceram na caverna sob a caverna; embora todos tenham sentido o poder de sua influência. Coroas foram sacrificadas por ela; deuses foram blasfemados por ela; espadas foram embainhadas por ela; e os campos ficaram estéreis por ela; em verdade! o elmo dos pensamentos dos homens foi partido em dois pela magia de sua voz. Pois como uma grande aranha ela atraiu todos para as malhas de seda de sua teia, onde ela tem girado as belas cidades do mundo, onde a tristeza fica sem língua e o riso não permanece; e cultivou as planícies férteis, onde a inocência é somente como o livro fechado da Alegria. No entanto, é ela também que tem levado os exércitos para a batalha; é ela quem trouxe vasos frágeis com segurança através do oceano ganancioso; é ela que tem entronado sacerdotes, coroado reis, e posto a espada na mão do guerreiro; e é ela que tem ajudado o escravo cansado a guiar o arado através do solo pesado, e o mineiro a roubar o ouro amarelo das entranhas da terra. Em todos os lugares você a encontrará dançando sobre impérios, e tecendo o destino das nações. Ela nunca dorme, nunca repousa, nunca descansa; sempre alerta, dia e noite, seus olhos brilham como diamantes enquanto ela dança, o pó de seus pés enterrando o passado, perturbando o presente, e nublando o futuro. Ela estava no Éden, ela estará no Paraíso!

Eu a segui, eu abandonei tudo por ela; e agora eu minto, como um homem febril, tendo delírios nas teias de sua beleza.

Vede! lá ela fica balançando entre os portões da Luz e das Trevas sob a sombra da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, cujos frutos são a morte; embora ninguém que não tenha provado deles pode dizer se são doces ou amargos à língua. Portanto todos devem colher e comer e sonhar. Mas quando vier o tempo da criança mística nascer, eles despertarão, e com olhos de fogo contemplarão que no cume da montanha no centro do jardim cresce a Árvore da Vida.

Agora em volta do tronco da Árvore e dos galhos mais baixos da mesma ali se enrosca uma mulher, selvagem, devassa, e sábia; cujo corpo é como o de uma serpente poderosa, cuja cauda é cinabre, e a barriga de vermelho-ouro; seus seios são púrpuras, e de seu pescoço brotam três cabeças.

E a primeira cabeça é como a cabeça de uma princesa coroada, e é de prata, e em sua testa é posta uma coroa de pérolas, e seus olhos são azuis como uma safira; mas ao perceber o homem eles ficam verdes e amarelos como a água de um mar agitado; e sua boca é como uma pedra-da-lua fendida em duas, na qual se esconde uma língua nascida do fogo e da água.

E ao contemplá-la, eu gritei a ela em voz alta, dizendo: “Ó Sacerdotisa do Véu, que estais entronada entre os Pilares do Conhecimento e da Ignorância, arranca e dá-me do fruto da Árvore da Vida para que eu possa comê-lo, de modo que meus olhos se abram, e que eu me torne como um deus no entendimento, e viva para sempre!”

Então ela riu sutilmente, e me respondeu dizendo: “Entendimento, Ó tolo que és tão sábio, é Ignorância. O fogo devora a água, e a água extingue o fogo; e a espada da qual um homem foge, outro embainha em seu peito. Busque a Coroa da Verdade, e tu serás calçado com as sandálias da Falsidade; desabotoarás o cinto da Virtude, e tu serás envolto na mortalha do Vício”.

E, quando ela terminou de falar, ela teceu de seus lábios em torno de mim uma rede de nuvem e de fogo; e em uma música sutil ela cantou para mim: “Na teia de minha língua fostes capturado; no murmúrio de minha boca tu fostes enlaçado. Pois Tempo será dado a ti para buscar todas as coisas; e todas as coisas serão tua maldição, e teu entendimento será como as ondas do mar sempre quebrando diante da costa de onde elas vieram; e no auge de sua majestade, seu orgulho e domínio serão jogados contra as rochas da Dúvida, e toda a tua glória se tornará como a espuma e o borrifo de águas despedaçadas, soprados para lá e para cá pela tempestade”.

Então ela me capturou na teia de sua sutilezas e soprou em minhas narinas o sopro do Tempo; e me carregou  ao Abismo, onde tudo é como a escuridão da Dúvida, e lá ela me estrangulou com o cânhamo e a seda das abominações e da arrogância de meu entendimento.

E a segunda cabeça é como a de uma jovem mulher velada com um véu tão claro quanto cristal de rocha, e coroada com uma coroa moldada na forma de um cubo duplo em torno do qual é tecido uma coroa de lírios e hera. E o seu semblante é como aquele da Desolação embora majestosa como uma Imperatriz da Terra, que possuindo todas as coisas ainda não conseguiu encontrar um companheiro digno de possuí-la; e seus olhos são como opalas de luz; e sua língua como uma flecha de fogo.

E ao contempla-la eu clamava em voz alta dizendo: “Ó Princesa da Visão do Desconhecido, que estás entronada como uma esfinge entre os mistérios ocultos da Terra e do Ar, dá-me do fruto da Árvore da Vida para que eu possa dele comer, para que meus olhos se abram, e eu possa me tornar como um deus em entendimento, e viver para sempre!”

E quando eu terminei de falar, ela chorou amargamente e me respondeu dizendo: “Em verdade, se o pobre homem transgrede dentro dos portões do palácio, os cães do rei serão soltos para que eles possam rasgá-lo em pedaços. Além disso, se o rei procurar abrigo na cabana do pobre o piolho tomará refúgio em seu cabelo, e não respeitará sua coroa, nem seu capuz de pele de arminho e ouro. Agora, tu, Ó homem sábio que és tão tolo, pedes por Entendimento; porém como será dado àquele que pede por ele, porque ao dá-lo ele cessa de ser, e aquele que o pede de mim é indigno de receber. Entrarias tu no palácio do rei em farrapos e implorarias migalhas de sua graça? Preste atenção para evitar que, o rei não te percebendo, seus escudeiros ponham cães de caça atrás de ti, de modo que até mesmo os trapos que tu possui sejam arrancadas de ti: ou, mesmo se o rei tenha lançado seus olhos sobre ti, para que não seja superado com fúria na presunção da tua ofensa, e ordene que tu sejas despido e espancado com paus de seu jardim de volta para o casebre de onde tu vieste. E sendo um rei, se procuras tu conhecimento e compreensão na cabana de um mendigo, tu serás como um antro de parasitas, e uma presa da fome e da sede, e os teus membros serão mordidos pelo frio e queimados com fogo, e toda a tua riqueza partirá de ti e teu povo te expulsará e tomará tua coroa. Contudo há esperança para o mendigo e o rei, e os pratos da balança que oscilam devem ser ajustados, e o sol deve beber as nuvens, e as nuvens devem engolir o sol, e não haverá nem escuridão e nem luz. Prometa teu orgulho e ele se tornará apenas como as habitações dos vermes, prometa tua humildade e serás expulso nu para os cães”.

Então, quando ela terminou de falar, ela mostrou seus seios para mim, e eram como a cor da abóbada do céu ao nascer do sol; e ela me levou em seus braços e me acariciou, e sua língua de fogo penetrou ao meu redor e sobre mim como a mão de uma empregada astuta. Então eu bebi do sopro de seus lábios, e encheu-me como com o espírito dos sonhos e do sono, de modo que eu duvidava que as estrelas brilhavam acima de mim, e que os rios corriam aos meus pés. Assim tudo se tornou como uma vasto Enigma para mim, um enigma situado na Incognoscibilidade do Espaço.

Então, em uma voz sutil, ela cantou para mim: "Eu não sei quem tu és, ou donde viestes; se do outro lado das colinas nevadas, ou de sobre as planícies de fogo. Ainda assim eu te amo; pois teus olhos são como o azul das águas tranquilas, e os teus lábios rosados como o sol no Oeste. Tua voz é como a voz de um pastor à tarde, chamando seu rebanho ao crepúsculo. Teu sopro é como o vento soprado através de um vale de almíscar; e teus quadris são luxuriosos como coral vermelho lavados das profundezas do mar. Venha, aproxima-te de mim, Ó meu amor: minha irmã ludibriou-te com sua língua sutil, ela te deu de mamar dos seios do Tempo: vem, eu te darei mais do que ela, porque eu te darei como herança meu corpo, e tu me acariciará como uma amante, e como recompensa por teu amor te dotarei com todos os reinos do espaço – os grãos nos raios de sol serão teus, e os palácios estrelados da noite, tudo será teu até as mais extremas profundezas do Infinito”. Então ela se apossou de mim e eu dela.

E a terceira é como a cabeça de uma mulher nem jovem e nem velha, mas bela e compassiva; e em sua fronte é posta uma coroa de Cipreste e Papoulas presas por uma cruz alada. E seus olhos são como safiras-estrelas, e sua boca é como uma pérola, e seus lábios bajulam o Espírito do Silêncio.

E ao contemplá-la eu clamei a ela em voz alta, dizendo: “Ó Tu, Mãe do Salão da Verdade! Tu que és tanto estéril quanto grávida, e diante da qual, o trono do julgamento estremece o vestido e o despido, o justo e o injusto, dá-me do fruto da Árvore da Vida, para que eu coma dele e que meus olhos sejam abertos, e que eu me torne como um deus em entendimento, e viva para sempre”!

Então eu estava prestes a ouvir sua resposta, e um grande abalo me possuiu, pois ela não respondeu uma palavra; e o silêncio de seus lábios enrolaram-se em torno de mim como as nuvens da noite e ofuscaram minha alma, de modo que o Espírito da vida me deixou. Então eu caí e tremi, porque eu estava sozinho.


Traduzido por Frater V.I.T.R.I.O.L.

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